Priscylla Ramalho
Meu nome é Priscylla Ramalho, tenho 36 anos e sou nascida em BH. Conheci o Fórum das Juventudes na graduação, cursando Ciências Sociais na UFMG. Eu já conhecia uma moçada que era do Observatório da Juventude (OJ) desde 2002, quando eu tinha entre 15 e 16 anos e cursava o ensino médio. Na época, eu era do movimento estudantil secundarista, da UJS (União da Juventude Socialista), da União Municipal de Estudantes Secundaristas de Belo Horizonte. Por isso, de alguma maneira, eu ia acompanhando um pouco esses e outros movimentos da juventude, a moçada ligada ao hip-hop e a outros movimentos de cultura. A minha irmã é do teatro e eu tinha alguns amigos, como o Marcelo Lin, que estudou comigo na Escola Municipal Paulo Mendes Campos, ligados ao OJ. Através dele, conheci integrantes do Fórum como o Warley Bombi, a Dani Jorge e o professor Juarez Dayrell.
Essa moçada toda era do D-ver.Cidade Cultural, projeto de extensão que antecedeu o OJ. Eu cheguei a ver a movimentação do grupo em BH: me lembro de alguns eventos que aconteciam no Centro Cultural UFMG. Então, eu tive a oportunidade de experimentar essas coisas todas. O D-ver.Cidade Cultural foi um projeto que marcou e essa moçada depois foi construindo outras coisas muito importantes na cidade.
Quando eu conheci o Juarez Dayrell, me lembro que já tinha na cabeça que eu iria para a área da Educação, mas ele falava: “Não… Você vai para o OJ conosco, quando você entrar na UFMG”. E foi o que aconteceu. Eu demorei para entrar na graduação. Me formei no ensino médio em 2003 e fui fazer outras coisas, trabalhei, não queria saber de estudar. Fui entrar mesmo na UFMG em 2008. Naquela época, como eu tinha uma ligação com o movimento estudantil secundarista, na graduação até tentei me envolver um pouco com o movimento universitário. Mas também quis focar em outras coisas, estudar de verdade, aproveitar o curso. A universidade te abre muitas portas, muitos espaços para experimentar. Então, participei até da empresa júnior das Ciências Sociais, mesmo que por pouco tempo.
Por outro lado, o curso de Ciências Sociais é extremamente teórico e eu ficava em crise com aquilo. Por isso, falo que o OJ me salvou. Na verdade, antes de ir para o OJ, eu cheguei a participar de alguns outros projetos. Fiz uma iniciação científica e depois fiquei em um projeto do NEST (Núcleo de Estudos sobre o Trabalho), grupo de pesquisa e extensão da FAFICH. Depois, em 2012, houve o processo seletivo para bolsista e eu fui realmente para o OJ. Lá, como bolsista de extensão, trabalhei inicialmente numa pesquisa da professora Shirlei Rezende Sales e depois me tornei responsável por acompanhar o Fórum das Juventudes. Não sei exatamente desde quando o OJ passou a disponibilizar uma bolsista de extensão para o Fórum, mas acho que foi no segundo semestre de 2012 – quando passei a compor a secretaria executiva. Depois, em 2013, compus uma coordenação compartilhada junto com a Flávia Nolasco e, de 2014 a julho de 2015, assumi a coordenação.
Mas a história do Fórum vem de muito antes: ele surgiu em 2004, no contexto de construção de políticas públicas da juventude em Belo Horizonte e Região Metropolitana, de acordo com o que escutei. Na época, estava acontecendo uma Conferência Municipal de Juventude, então houve uma confluência de eventos: o surgimento do Fórum e a Conferência Municipal. O Conselho Municipal de Juventude de Belo Horizonte foi um dos primeiros do Brasil, com períodos de intermitência quanto ao modelo de gestão, que nunca foi efetivamente aberto à participação das juventudes. De todo modo, naquela época, houve uma ação do Fórum no sentido de pressionar o poder público municipal para que o Conselho fosse efetivo e participativo, e de incidir na pauta de criação do Centro de Referência das Juventudes – CRJ.
Nos primeiros anos de atuação (2004 até 2008/2009), o Fórum esteve muito centrado na incidência sobre a institucionalidade das políticas públicas de juventude. Havia pouca coisa no Brasil, quase nenhum avanço em termos de políticas para a juventude. Não havia órgãos ou setores dentro do estado e das diversas instâncias que fossem específicos para tratar a pauta da juventude. Então, o Fórum se envolveu muito na discussão dessas questões.
Entre 2009 e 2011, houve um hiato. Não sei se chegaram a suspender todas as atividades, mas acho que ficou bem parado. O retorno aconteceu em 2011 / 2012, com a Áurea à frente do processo, quando o edital Redes e Alianças, do Instituto C&A, abriu uma oportunidade de ressurgimento, com uma proposta um pouco mais estruturada, pensando a questão da sustentabilidade a partir de algum financiamento.
No final de 2012, aconteceu o lançamento da Agenda de Enfrentamento à Violência Contra as Juventudes, fruto de uma escolha fundamental que havia sido feita. A partir das análises e discussões que estavam em pauta sobre as violações de direitos sofridas pelas juventudes, principalmente a juventude negra, o Fórum mudou um pouco a estratégia de luta, elegendo como bandeira o enfrentamento às violências contra as juventudes, a partir do entendimento de violência enquanto violação de direitos. Com base nessa agenda, houve a criação do “Juventudes contra a violência”, com o financiamento do Instituto C&A, que cobria três anos de projeto, viabilizando a manutenção de uma equipe fixa: a secretaria executiva do Fórum. Foi exatamente naquele momento que eu entrei como bolsista do OJ, de 2012 para 2013.
Trabalhei no Fórum com a Áurea, a Sâmia, o Bruno Vieira e depois a Vanessa Beco. A Áurea saiu e entrou a Flávia Nolasco, e tivemos como bolsista do OJ a Júlia Marinho. Quando a Flávia saiu, seguimos eu, Sâmia e Vanessa. Eu saí da secretaria executiva do Fórum entre julho e agosto de 2015, quando fui trabalhar na Secretaria de Estado de Educação de MG (SEE-MG). Em 2015 e 2016, a SEE-MG me consumiu demais, então não consegui acompanhar tanto as ações do Fórum, mas, na medida do possível, tentava me atualizar, nem que fosse pelas redes sociais.
Durante a minha trajetória no Fórum, acredito que uma das ações mais marcantes foi o 4º Juventude Okupa a Cidade, de lançamento da campanha Juventudes Contra a Violência, que aconteceu em 2013. O espaço do evento tinha uns banners que fizemos com as carteiras de identidade com os rostos dos jovens violados. Eu não participei da construção da campanha, ela foi articulada pela AIC. Cheguei quando aquela identidade visual já estava criada e as peças estavam sendo finalizadas. Ficou uma coisa muito linda, muito marcante. Lançamos a Agenda no final de 2012, a campanha no final de 2013, em fevereiro de 2014 realizamos o Seminário Juventudes Contra a Violência e, em abril do mesmo ano, o jogo Okupa. Realizamos, ainda, as jornadas de junho pelo fim da violência contra as juventudes, que foram uma série de atividades de formação e multiplicação da campanha.
Esse circuito também foi um momento muito bacana. Participei de algumas formações e pude perceber o quanto foram importantes. Construímos coletivamente algumas metodologias para cada encontro de multiplicação, que durava quatro horas. A proposta era levar a campanha aos vários espaços da juventude, então fomos a escolas, espaços comunitários, centros de internação do socioeducativo e centros culturais. As atividades seguiam um percurso: havia um primeiro momento disparador de uma discussão sobre a concepção de violência, para levantar o que os jovens com quem estávamos conversando entendiam como tal. A partir daí, seguíamos com a discussão sobre a violência enquanto violação de direitos. Tínhamos alguns recursos para aprofundar a discussão. Lembro que trabalhamos muito com charge. Como trazíamos primeiro uma concepção dos próprios jovens, ouvíamos as narrativas das experiências que eles viviam: todo o tipo de violência que se puder imaginar. Não só as violências institucionais, como também relatos mais sérios, de questões de dentro de casa. Então, a partir do que eles traziam, discutíamos sobre a violência institucional, que é um processo de violação de direitos, para que se perguntassem: “Quando vou no posto de saúde e não sou atendido ou sou mal atendido, é um processo de violência? Quando eu sou discriminado dentro do ônibus, isso é um processo de violência?”.
Outra ação incrível do Fórum, que marcou muito, foi o jogo Okupa. Ao longo de 2013, em paralelo às outras atividades, começamos o desenvolvimento dele, que foi um processo muito legal. Eu acho, inclusive, que a construção da campanha inspirou muito a construção do jogo. Criamos um grupo menor para concebê-lo e até jogamos jogos de tabuleiro, experimentamos coisas. No final de janeiro de 2014, ele ficou pronto, então marcamos o Seminário Juventudes Contra a Violência, em fevereiro, justamente para lançar o Okupa. Foi um seminário muito potente. Conseguimos trazer representantes de importantes campanhas de enfrentamento à violência contra a juventude: pessoas de São Paulo, do Rio e do Espírito Santo.
Em seguida, em maio de 2014, partimos para a construção da plataforma política “Juventudes Contra a Violência”, outra ação muito importante. O primeiro passo foi um processo de rodas de conversa para levantar temas e pautas prioritárias relacionadas às juventudes de diversos espaços, grupos e coletivos. Desenvolvemos um roteiro para as rodas de conversa, com o objetivo de elencar qual era a prioridade das juventudes para cada grupo em específico. Conseguimos alguns retornos, não muitos, mas penso que foi de grande ousadia fazer um processo tão coletivo.
Acho que realizamos umas 20 rodas de conversa, cujas informações foram compiladas e serviram de disparadores para um encontro imersivo. Esse encontro imersivo ocorreu em Mário Campos, município do interior de Minas, com cerca de 60 participantes, novamente com convidados de outros estados – conseguimos representantes das cinco macrorregiões do Brasil. O compilado de prioridades elencadas nas rodas foram o ponto de partida para a construção da plataforma política “Juventudes Contra a Violência”, uma proposta de ação em continuidade à campanha.
Naquele momento, chegamos ao entendimento, que perdura até hoje, de que a campanha é um grande guarda-chuva. Dela surgiram diversas outras ações, inclusive a plataforma.
A plataforma respondia também à necessidade do ano de eleições em que estávamos, era importante pautá-la. Então, ela seria uma maneira de apresentar quais eram as questões principais das juventudes naquele momento, incidindo tanto sobre a sociedade civil, quanto sobre os candidatos e candidatas das eleições de 2014. Assim surgiu a ideia da plataforma e eu lembro que ela foi um nó na nossa cabeça, porque nos questionávamos sobre o que ela seria concretamente. No fim das contas, chegamos ao formato de uma lista de propostas – proposições relacionadas às principais demandas das juventudes, nos vários campos das políticas públicas: saúde, educação, trabalho, renda e segurança pública. Assim, a plataforma foi construída em dez eixos programáticos. Desenvolvemos coletivamente um texto-base para cada eixo e, ao final desse texto, havia uma lista de proposições. Esses conteúdos foram atualizados nas eleições de 2018.
A ideia da Plataforma era mobilizar tanto as pessoas da sociedade civil, autônomas ou representantes de coletivos, quanto também convocar os candidatos e candidatas às eleições a aderir às proposições. Assim, iniciamos um processo de conversar com algumas candidaturas de esquerda e progressistas, que se interessaram por ela. Havia uma condição: era necessário aderir a toda a Plataforma, não era possível excluir nenhum eixo. O lançamento foi em agosto de 2014, na Casa dos Jornalistas. Foi muito interessante, porque já estávamos em plena campanha eleitoral, portanto contamos com a presença de alguns candidatos e candidatas e a cobertura da imprensa. Foi muito legal.
Fizemos outro evento depois, na Casa dos Jornalistas, em que apresentamos uma pesquisa do pessoal da Cipó, uma ONG da Bahia. Eles desenvolveram um Mapeamento de Políticas Públicas para as Juventudes, que foi um grande diagnóstico, de cuja construção o Fórum participou. Uma super pesquisa, que deu uma trabalheira danada.
Depois de lançada, a plataforma segue até hoje, com processos formativos de multiplicação, que são outra coisa muito interessante. Não lembro quantos encontros já fizemos, mas passamos a acionar os parceiros com maior apropriação em determinadas pautas – segurança pública e desmilitarização das policias, por exemplo – e colocá-los nas ações, puxando as discussões. Contamos com parceiros como as Brigadas Populares, que também compõem o Fórum, além de outros, como a Frente Mineira Sobre Drogas. Houve, ainda, os círculos do sistema socioeducativo, que na época também articulou muitos de seus profissionais para a participação. Outros coletivos, que não necessariamente compõem a rede do Fórum, também foram puxando atividades de discussão a partir dos eixos. Assim, a plataforma se tornou um espaço permanente de estudo e de troca. Aconteceram vários momentos de debate por eixo. Foi muito legal.
Eu avalio que a frente da plataforma de incidir mesmo sobre os mandatos não teve muito êxito. Acredito que foi muito ousada a ideia de manter essa perspectiva depois das eleições, acompanhar cada mandato, monitorar a adesão. A ideia era em si uma loucura. Então, acho fomos aprendendo nossas capacidades e limites, também. Por outro lado, o Fórum é suprapartidário e não confessional, mas individualmente muitas pessoas da rede se envolveram na campanha da Áurea, que foi eleita a vereadora mais votada da história até então.
Para falar da dinâmica da secretaria executiva do Fórum na proposição e na construção das ações, volto em agosto de 2012. Naquele mês, fizemos um encontro de planejamento estratégico do Fórum em um sítio de uma pessoa da rede em Rio Acima (município da RMBH). Era um momento de crise de identidade do Fórum e as ações estavam meio paradas até 2011. Até onde eu sei, a Áurea foi uma das pessoas que puxaram esse processo, pegaram o boi pelo chifre e tentaram retomar. Aquele encontro foi fantástico, saímos de lá com uma vontade de fazer acontecer e nasceu dali a proposta de criar um grupo gestor.
O grupo gestor, pelo menos no que concernia à equipe da secretaria executiva, foi uma instância que funcionou muito bem até 2017. Nos processos em que eu estive mais presente, até a metade de 2015, as reuniões aconteciam de fato, de 15 em 15 dias e, às vezes, semanalmente. Era ali que a maioria das ideias surgiam. A secretaria executiva tinha um papel de instigar e inspirar, porque acompanhava de perto algumas pautas, estava mais atualizada e possuía mais informações. Cumpria, portanto, uma função importante de pautar o grupo gestor. O grupo gestor, por sua vez, contava com a participação dos coletivos e das entidades. O critério naquela época para participar era a disponibilidade de estar presente nas reuniões. Então era a moçada autônoma ou ligada a algum coletivo que estava mais presente e mais a fim de contribuir. Em termos de organização prática, às vezes adotávamos comissões, grupos de trabalho. Ou seja, o grupo gestor decidia e a realização dos encaminhamentos, muitas vezes, seguia essa dinâmica de criar pequenos grupos de trabalho, que marcavam reuniões separadamente para tocar as demandas e construir as ações.
Esse é o funcionamento das ações propriamente ditas do Fórum – há uma convocação para processos de concepção que acontecem em grupos de trabalho. No momento em que a ação ganha corpo, a dinâmica muda: ela vai para toda a rede. Acionamos todos e as pessoas vão participando na medida em que elas podem. Há outra frente, digamos assim, que chamamos de demandas externas. Elas surgiram a partir da Campanha e eram convites para mil e uma coisas: desde eventos até ações com profissionais que trabalham com juventudes, seja no campo das políticas públicas ou na universidade. Saímos por aí fazendo formações, participando de debates, de seminários e compondo mesas de eventos. Para tais processos, fazíamos questão de acionar a rede toda e buscávamos identificar qual pessoa tinha o perfil e a experiência que conversavam mais com a pauta da demanda externa em questão. Era algo bem compartilhado. Acho que a rede, de modo geral, se envolvia toda em alguma medida, mesmo sem estar inteira participando de todos os processos de concepção das ações e dos momentos decisórios relacionados às pautas do Fórum.
Nesse percurso, surgiam revezes. Essas demandas externas, por exemplo, traziam questionamentos se estávamos deixando de olhar para dentro, negligenciando coisas mais estruturantes, e nós nunca solucionamos isso bem.
Mas, em relação ao grupo gestor, quando eu voltei ao Fórum, em agosto de 2018, percebi que as reuniões já estavam esvaziadas há um tempo. Eu não sei precisar quando isso começou, mas eu acho que uma hora o grupo gestor foi banalizado. Ficou tão grande que acabou sem sentido – havia muitos participantes, mas as participações eram sazonais, sem muita continuidade.
Essa é uma interpretação minha. Não sei dizer exatamente o que aconteceu, mas acredito que é da dinâmica da sociedade civil organizada. Chega em um momento em que esse tipo de espaço precisa ser repensado, reinventado e ressignificado.
Então, acho que, de uns tempos para cá, o grupo gestor não está funcionando tão bem assim. Mas avalio que a secretaria executiva até se manteve, com mudanças significativas em termos de perfil, principalmente na equipe atual. Essa é uma diferença muito grande das equipes anteriores: nos últimos quatro anos, ela de fato se tornou mais jovem e diversa em relação a raça e identidade de gênero. Foi a primeira vez que tivemos uma pessoa trans na equipe – uma mulher-trans integrou a secretaria executiva. Isso foi super legal e importante. Dessa forma, na medida em que a equipe muda de perfil, o jeito de agir também se modifica. Essas coisas são, inclusive, imbricadas.
Além disso, olhando em retrospecto, percebo que, de fato, é impossível descolar essa história do Fórum e suas mudanças do contexto brasileiro e local. No período do PT, houve um governo que favoreceu avanços efetivos nas políticas sociais e as políticas de juventude fazem parte disso. Claro que ainda era muito longe do que gostaríamos, do que precisávamos. Mas existia um ambiente institucional político favorável para vários avanços e o Fórum foi um ator importante, tanto para que isso acontecesse, quanto também para colher os frutos disso.
Depois, no caso Belo Horizonte, a mudança local de governo para o Lacerda nos desfavoreceu. Foram vários retrocessos, que geraram desânimo na rede do Fórum, pois sentíamos que não adiantava ocupar espaços institucionais, já que as coisas nunca aconteciam realmente, tudo era só para inglês ver. Criou-se um cansaço, que levou o Fórum a se desprender da institucionalidade e se voltar mais para os territórios e as juventudes; para a sociedade civil, mesmo. Esse movimento foi muito incrível também, e acho que está relacionado ao Fórum se tornar mais preto, mais jovem e mais periférico – estamos atualmente mais espalhados pela Região Metropolitana de Belo Horizonte. O próprio Okupa nunca mais foi centralizado, ganhou uma certa itinerância entre os territórios da metropolitana, portanto passou a ter mais grupos desses territórios. Não vamos saber o que veio primeiro, o ovo ou a galinha, mas acho que essas coisas estão ligadas. Não dá para abraçar tudo mesmo. Na verdade, a descentralização do Okupa já acontece desde 2016, quando ele foi realizado em Santa Luzia, no Palmital. Em 2017, o Okupa aconteceu na pista do Barreiro e, no mesmo ano de 2017, houve a ocupação do CRJ. O Okupa de 2019 aconteceu na entrada da ocupação Rosa Leão, na divisa de Belo Horizonte com Santa Luzia. No período da pandemia, não foi possível ter o Okupa presencial. Em 2022, ele retornou à região da Praça da Estação, em BH, mas teve uma composição muito diversa em termos de territórios da RMBH.
Hoje, a questão do extermínio da juventude negra é entendida como uma causa social agregadora do Fórum. Acho que isso é uma compreensão e um consenso que fomos construindo ao longo dos anos. Desde o lançamento da Agenda de Enfrentamento à Violência, no final de 2012, a questão da juventude negra foi se destacando, por motivos óbvios. Nós não tínhamos mais como não priorizar essa pauta. Antes, a questão de raça era uma coisa que tangenciava a discussão, hoje ela foi se tornando cada vez mais expressa, até ganhar centralidade, nos últimos anos.
Apesar de todo esse percurso com muitas mudanças, algumas coisas permanecem muito importantes, como o espaço da sede do Fórum. Quando somos acionados para dar apoio a alguma ação dos coletivos, marcamos uma conversa na sede. A mesma coisa acontece quando alguém precisa de material ou de utilizar o computador. A secretaria executiva sempre é acionada pela rede do Fórum e outros grupos para diversas demandas coletivas, apresentadas por jovens que participam de ações dos coletivos. Acho que o espaço físico, nesse sentido, é importante, pois vira uma referência de acolhimento, um espaço para o qual eles podem ir, e lá se apropriar dos recursos, quando precisam de algo não dispõem (como o computador, a internet) para elaborar alguma coisa, escrever um documento.
Em relação às estratégias de visibilidade do Fórum para além das juventudes, em termos de mobilização social mais ampla, acredito que elas estão mudando. Na origem da Campanha e da Plataforma Política Juventudes Contra Violência, adotamos mais as estratégias de incidência política institucional. Estávamos presentes em muitos espaços institucionalizados para discutir, participávamos de muitas audiências públicas, debates dentro de universidade, dentro de órgãos públicos e dos locais em que acontecem a execução de programas e ações de governo. De lá para cá, isso foi reduzido e passamos a explorar outros espaços, como as ações descentralizadas e uma comunicação institucional mais relacionada às redes sociais. Acredito que, atualmente, elas são a principal estratégia de repercussão das nossas narrativas. Penso que seja mais fácil fazer isso hoje, porque o Fórum se consolidou como uma referência no debate sobre juventudes e direitos juvenis na RMBH, em Minas e, eu diria, para além de Minas. Essa coisa de seguidores faz com que algumas pessoas nos conheçam e muito do que postamos é compartilhado, visibilizado. Reverbera.
Existe outra coisa muito curiosa do Fórum, que está relacionada ao formato em rede, na minha opinião. Vários coletivos e pessoas autônomas do Fórum, quando vão se referir a ele, falam de ações que realizam a partir de processos do FJ como não fossem parte do circuito de atividades dele. Como resultado, muita coisa que não contabilizamos como Fórum são, na verdade, parte do Fórum. Isso é, de fato, muito curioso.
Eu percebo que essa questão está interligada com a nossa chegada maior na região metropolitana e nas periferias, porque fortalecemos a atuação de muitos coletivos na ponta. Então, muitas ações acontecem como iniciativa dos próprios coletivos e a rede como um todo está junto, seja na construção, no apoio ou na circulação das pessoas pelos territórios, indo participar – só que essas coisas não são associadas diretamente ao Fórum, na percepção de muitas pessoas.