Nivia Raposo – Nivia do Carmo Raposo

Me chamo Nivia Raposo e tenho 49 anos. Sou nascida na Tijuca e vivo em Nova Iguaçu. Nasci na Tijuca porque meu pai era marinheiro e as mulheres de marinheiro normalmente iam ter filho no hospital Nossa Senhora da Glória, da Marinha, que fica lá na Tijuca.

Mas eu sou é cria da Baixada Fluminense. Sei, por exemplo, que aqui em Nova Iguaçu nós temos até um conjunto de rochas vulcânicas que ficou conhecido como “Vulcão de Nova Iguaçu”. De cima do terraço da minha casa eu consigo enxergá-lo. Do meu terraço também dá para ver que Nova Iguaçu é uma área de planície mesmo, cercada de montanhas. É por isso que se fala Baixada. Do meu terraço eu vejo a montanha Tinguá de um lado, do outro a Serra de Madureira… E por aí vai: vejo todas as serras daqui.

Eu faço parte de vários movimentos sociais. Atuo praticamente em todos os que têm a ver com a minha luta, porque eu tento articular todos eles. Faço parte da Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense Vítimas da Violência do Estado; faço parte e sou uma das coordenadoras do movimento de base do grupo Parem de nos Matar, que tem crescido bastante aqui no Rio; sou articuladora de território da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial; e também, com muito orgulho, faço parte da Rede de Mães de Luta, de Minas. Nela, eu tenho atuado mais indiretamente, mas estou sempre com elas, apoiando todas as lutas que as minhas companheiras fazem.

Aqui em Nova Iguaçu me casei e tive meus dois filhos, o Rodrigo Tavares e o Thiago Matheus. Meu marido era caminhoneiro e eu uma dona de casa, mas eu estava sempre estudando, fazendo curso – nunca deixei de estudar, sempre fiz curso. E a vida na minha casa era bem comum. Em 2013, veio a novidade de eu ter sido aprovada na prova da UERJ e fui cursar universidade. Foi até engraçado, porque eu sempre sempre estava mandando currículo e buscando trabalho – a gente que é mãe quer trabalhar pra dar as coisas pros nossos filhos. Então, quando chegou o resultado, eu achei que ia trabalhar na UERJ. Meu filho é que perguntou: “mas você passou pra quê, pra trabalho ou pra estudar?”. Aí eu fui ler direito e vi: “meu Deus, eu passei foi pra estudar!”. Aí a gente comemorou muito: eu, meus dois filhos e nosso cachorro. Nós três nos abraçamos e até o cachorro, tadinho, ficou em pé, no meio do nosso abraço. A gente gosta muito da coisa circular aqui em casa. Moramos em um quilombo e gostamos de viver circularidades. Quando comemoramos, a gente se abraça, todo mundo junto em círculo.

Em 2014, comecei a fazer faculdade. Levávamos então nossa vida super vida normal. Meu filho trabalhava com o pai – ele sempre trabalhou com o pai no caminhão, e eu estava realizando o meu propósito de antes dos 40 anos voltar a estudar.

Além dele trabalhar com o pai, ele fazia entrega de lanche, entrega de quentinha… Então, ele conhecia muitas pessoas, de tudo o que era lugar. Ele era um moleque muito popular, estava sempre fazendo festas, então ele era muito conhecido.

Mas, em 2015, ele entrou pro quartel: começou a trabalhar na central de armamentos do Exército. Ele não queria ficar, mas era uma carreira que tinha um peso, porque nós somos filhos de militares, eu sou filha de militar. O meu marido era sobrinho de militar, filho de militar também, e o tio dele foi herói de guerra. Essas coisas fazem uma pressão natural nas crianças. Mas ele primeiro falou que não queria, mas depois insistiu e foi enfrentando os perrengues lá com os amigos, e aos poucos ele foi gostando e aí ficou.

Um dia, ele estava numa pracinha do bairro Jardim Iguaçu (conhecida como Pracinha do JI), num encontro em que estavam os jovens todos. Eles estavam de carro e moto curtindo um som, luz pista-pisca, essas coisas. Então surgiu um cara, conhecido nosso, do nosso bairro, que do nada falou pra ele: “eu sei que você está com esses meninos aí, que está roubando”. Aí, ele ficou já meio assustado e disse: “Roubando? Você tá maluco?”. E o cara respondeu: “não, eu já sei que você tá roubando com esses meninos aí, mas vocês podem roubar à vontade, mas eu quero R$500,00 por semana”. Aí ele disse: “tá doido, R$500,00 por semana… eu não consigo dar nem R$50,00 pra minha mãe, o meu soldo é R$649,00. Tá doido que eu vou arrumar R$500,00 por semana pra você. E que tempo eu vou ter pra roubar? Eu saio 5 horas da manhã de casa, eu chego 10 horas da noite, quando eu chego eu só quero comer, tomar banho e dormir, pra no dia seguinte fazer tudo de novo”. 

Ele teve essa discussão com esse sujeito e foi embora – isso foi em outubro isso, na semana do dia das crianças. Dois dias depois ele me contou. Disse: “Olha, aconteceu um negócio super esquisito… E eu perguntei: “o quê, o cara ameaçou você lá?”. Só que o cara, quando ameaçou ele, não sabia que a minha mãe morava ali, meus primos moram ali, minha avó mora na outra rua… a família toda mora aqui, e ele não sabia. Ele tratou o Rodrigo como um alemão – “alemão” é um inimigo, alguém que está ali vigiando, armando algo. Mas o meu filho achou o episódio tão surreal que nem acreditou. Ele ainda falou pra mim: “eu acho que ele estava ou drogado ou bêbado. Porque todo mundo conhece a gente e ele veio com essa conversa”.

Aí o Rodrigo continuou trabalhando normalmente, não deu importância àquilo. Uma semana depois, meu filho foi morto. Eu sou a testemunha de acusação do tal sujeito porque, quando aele meu filho, falou exatamente a mesma coisa que tinha dito uma semana antes: “você estava roubando aqui no bairro”. Mas, depois, a gente entendeu que foi por causa do dinheiro. Ele queria dinheiro. Meu marido tinha dois caminhões, as pessoas achavam que tínhamos muito dinheiro. E o Rodrigo trabalhava no departamento de armamento do exército. As pessoas já pressupunham que ele trabalhava diretamente com arma. E era verdade, ele trabalhava, mas ele evitava falar isso. Ele falava que trabalhava num setor de comida, justamente para que as pessoas não ficassem pedindo arma, munição, essas coisas. Ele tinha o maior medo desse tipo de coisa, por isso nem comentava o setor que ele trabalhava. Mas no próprio quartel, depois me contaram que esses caras descobrem tudo, pois têm gente em tudo o que é lugar”. 

Eu cheguei até a processar o Exército, ainda estou processando o exército até hoje, porque eles colocaram o meu filho num local de trabalho em que ele estava correndo muito risco, sem que houvesse nenhuma medida para protegê-lo. E ele não falava muito do trabalho dele justamente porque o bairro tem muito miliciano, e ele tinha uma preocupação com isso. Ele falava assim pros amigos: “Não se junta com esses grupos não, esses caras aí são o pior tipo de bandido que existe. Se você entrar, depois pra sair, só sai morto. E os caras têm carteira pra fazer o que querem, dão carteirada… É melhor você trabalhar entregando quentinha, entrega quentinha, entrega lanche, porque com esses caras, se você trabalhar você vai morrer, porque eles podem fazer o que quiser, e eles sabem disso”.

Meu filho foi morto, na porta de casa, no dia 17 – uma semana depois que foi ameaçado. E, antes de morrer, ele estava dando a mão pro irmão, entende, meu outro filho estava com 12 anos e ficou falando com ele pra ele levantar, pra ele levantar… Isso é a coisa que mais me faz lutar. Mataram o meu filho e fizeram o meu outro filho sofrer pela morte do irmã. Ele ainda viu a pessoa passando e falando “tá vendo? estava roubando no bairro”.

O meu filho mais novo desceu desesperado do quarto dele… ele pulou da escada, ele caiu em pé. Ele pulou da escada do quarto. Ele nem desceu a escada: ele pulou, ele caiu e já desceu correndo. E ele viu o irmão caído no chão… Tem foto do irmão dele todo torto, porque tentou levantar… tentou levantar, olhando pro irmão. Ele morreu assim, olhando pro irmão e olhando pra casa, tipo mandando o irmão entrar; com medo da pessoa voltar e fazer alguma coisa pro irmão mais novo dele. 

Meu filho estava dançando passinho um pouco antes de morrer. Ele tinha acabado de me ligar falando pra eu ir comprar um telefone pra ele no Extra. E eu falei com ele: “poxa Rodrigo, você devia ter comprado o telefone pra você ao invés do computador pra mim”. Ele tinha comprado um computador pra mim, porque viu que eu precisava do computador. Então, foi lá, tirou o cartão do Extra, comprou o computador e me deu. Mas naquele dia ele queria que eu tirasse um telefone, mas ele não sabia nem mexer no cartão… Cara, meu filho não sabia nem mexer no cartão do pagamento dele, era eu que recebia o pagamento pra ele, era eu que tirava o dinheiro quando ele precisava.

E o Rodrigo, apesar de ser um moleque, ele era super prafrentex. Se os amigos chamavam ele pra ir à Parada Gay, ele ia com eles, amarradão. Então, no enterro, a gente nota como o nosso filho é amado. Tinha gente de todas as idades: criança, idoso, menina, muita menina, pessoal LGBTQIA+… E as pessoas não esquecem dele. Fez 5 anos e eu vejo as declarações das pessoas falando pra ele assim: “olha, eu consegui, eu fiz enfermagem, você me apoiou lá pra eu fazer o curso”. Então, eu penso: “meu Deus, eu estava fazendo a coisa certa, meu filho estava indo num caminho bom”. Mas, ao mesmo tempo, eu fico pensando: “poxa, você cria, faz tudo certinho, e alguém lá do outro lado não tá fazendo tudo certinho”.

E havia também gente muito preocupada vendo aquele moleque ali: uma liderança totalmente natural… O que ele falava era como se fosse lei. Ele convidava os amigos: “vamos fazer um rolezinho, vai ser no shopping tal”, mas ele colocava várias regras. Ele falava coisas do tipo: “olha, não pode mexer com as meninas, não é não; a menina disse não, não insista”; “nada de fumar maconha no local”, “não faça assim, não faça assado”. E ele explicava: “as pessoas já se assustam conosco quando estamos sozinhos; quando estamos em grupo, eles já falam que é quadrilha. Por isso, não mexa com ninguém, não fale palavrão”. Era tudo muito explicado e organizado. Ele tinha uma cabeça muito boa, sabe? Tinha uma visão de mundo também muito boa.

Era um moleque pra quem, quando eu estava estudando Filosofia e Sociologia na faculdade, depois de ler os textos e debater em sala de aula, eu ia correndo trocar ideia. Eu falava do Fannon e ele ficava prestando atenção… Depois logo ia mexer no computador, no tablet, no celular. Ele tinha e ainda existem dois Facebooks dele, com quase 5 mil pessoas. E ele dava atenção pras pessoas, sabe? Falava com um, falava com outro. E ele dançava passinho, era amigo do pessoal do Dream Team do Passinho, que era muito famoso, tinha a turma toda de lá no zap. Então, ele se tornou muito conhecido. Onde ele chegava, tinha muito amigo… e as mães dos amigos também gostavam dele…

Quem é que não ia querer dominar um moleque daquele, que poderia facilmente montar um grupo, que poderia conseguir arma e munição, se quisesse? Ele poderia hoje estar vivo, com dinheiro, se tivesse pego as munições, as armas do quartel, entocado, escondido e vendido. Mas ele jamais faria uma coisa dessas. Ele tinha muito medo de arma na rua, porque teve uma namorada que perdeu um irmão, que morreu dentro de casa, com um tiro na cabeça, numa brincadeira entre irmãos com a arma do pai. O pai dessa criança foi preso, porque parece que a arma não era registrada… O Rodrigo tinha um trauma terrível disso, porque ele tinha acabado de vir da casa da menina, tinha soltado pipa com o garoto… Quando disseram que o menino morreu, nossa, ele ficou muito arrasado, ele chorou muito, foi muito difícil… Ele só lamentava e repetia o tempo todo que as pessoas não podiam ter arma em casa. Diante daquele menino, morto aos doze anos, ele ficou inconsolável, ficou conversando com o menino já morto, dizendo coisas sobre a convivência deles.

Então, o Rodrigo dizia: “Deus me livre, não vai ter arma aqui em casa. Thiago é muito levado”. E o meu filho, talvez por ter esse tipo de postura, foi assassinado daquela forma tão cruel. Mas ele era muito querido, o enterro dele estava muito cheio. Tinha várias meninas, sogra e sogro, ex-sogra e ex-sogro, amigo de tudo que era jeito. Todo mundo gostava dele.

Depois, teve gente que fez tatuagem em homenagem a ele, que fez música … eu fiquei na verdade muito assustada, porque pra mim era só o meu filho, né? Mas ele sempre foi popular demais, de as pessoas verem ele na rua e quererem abraçar, conversar, beijar… até tirar foto junto. 

Até as freiras tinham amizade com ele, porque achavam interessante um rapaz estar soltando pipa e estar com um crucifixo no peito. Elas ficavam conversando com ele na frente da nossa casa. E lá tinha um jardim com muitos girassóis, que plantamos juntos, mesmo ele estando com preguiça, mas que ficaram lindos depois, e ele gostou muito. Por isso que eu escolhi o girassol como um símbolo dele. Tinham que ser flores, porque meu filho era vida.

Uma das freiras com quem ele sempre conversava, a irmã Valéria, lá no enterro dele mesmo falou pro meu irmão: “olha, tem que entrar em contato com os direitos humanos, porque esse menino estava sempre na porta de casa, sempre dançando, tava sempre soltando pipa ali, conversando com os meninos, não tinha envolvimento com nada errado…”.

Não foram só elas: todo mundo ficou chocado. Os colegas da igreja do bairro em que ele fez catecismo e Primeira Comunhão, com os quais ele estava sempre se encontrando… Porque todo mundo morava no mesmo bairro, eram amigos. Ele colecionava amigos, porque eu coloquei o Rodrigo pra fazer muita coisa: ele fez natação, futebol, capoeira, karatê… Eu colocava ele em todas as atividades que conseguia. E com isso ele ia conhecendo muita gente, em cada lugar eram crianças diferentes, que foram crescendo junto com ele. Pessoas de todos esses círculos de amizade dele se chocaram muito, foi muito desolador pra todo mundo.

Então foi isso: veio dessa rede grande – da freira que batia papo com ele – o alerta para que a gente fosse atrás do Centro de Direitos Humanos. Eu e o meu irmão fomos até lá, onde conhecemos ums outra freira, a irmã Yolanda, que estava à frente do CDH de Nova Iguaçu. Ela nos apresentou o setor jurídico deles, o advogado, doutor Guilherme. Quando conversamos e ela soube que os suspeitos eram milicianos, ela falou: “não, não pode ficar assim”. 

A Irmã sabia de algo que eu até então não tinha percebido: o quanto o domínio da milícia estava se tornando absoluto. Olha, todo mundo sabia que tinha um grupo de milicianos aqui no nosso bairro – inclusive eram pessoas conhecidas nossas. O que não sabíamos era o quanto os tentáculos deles são grandes, em quantos lugares eles conseguem chegar, e que, naquele momento, eles estavam com um plano de expandir os territórios. Eles queriam dominar a nossa área. E como o meu filho conhecia o cara que ameaçou ele, não levou muito a sério, porque era um cara que via ele em frente de casa direto, que viu meu filho jogando bola, cortando rabiola, empinando pipa. Jamais iríamos imaginar que aquela pessoa estava vendo aquele moleque e já pensando: “pô, eu posso usar esse moleque pra poder dominar essa galerinha aí”. Jamais a gente vai imaginar uma coisa dessa. Jamais.

Assim começou a minha luta. A Irmã Yolanda, do CDH, me apresentou o Fórum Grita Baixada e o Fransérgio Goulart, que tinha um projeto com a irmã Yolanda, chamado Litigância. A Irmã me queria no projeto e eu tentei ficar de fora, pois estava muito apertada na faculdade, mas ela insistiu e eu acabei topando.

Lá eu conheci a Luciene e a Silvânia, que são familiares da Chacina e tinham criado um grupo chamado Afavivi – Associação de Amigos e Familiares de Vítimas de Violência. A gente foi se juntando ao longo do projeto Litigância… Fazíamos litigância mesmo: íamos aos lugares apresentar o jurídico do CDH, porque ninguém conhecia. Eu mesma não sabia da existência do CDH de Nova Iguaçu. Não tinha a menor ideia. Depois, a Irmã Yolanda me apresentou pesquisadores dos movimentos sociais, e também a produtora Quiprocó, que estava para fazer um documentário. Aí Irmã Yolanda me convidou a participar desse documentário e eu achei importante estar nele, para poder dar visibilidade para a causa. Então, juntamos algumas mães da Baixada, mães ligadas à chacina… porque a ideia era falar da chacina e mostrar que aquele tipo de violência continuou.

Eles fizeram um recorte de 2005, que foi o caso da Chacina da Baixada, em que foram 29 vítimas, e tentaram mostrar a continuidade da violência, mas também o outro lado, da continuidade da luta.

A partir do documentário, a gente começou a fazer, assim uma incidência mais direta na Baixada, porque até então eu nem sabia da existência da Afavivi. Assim nos tornamos uma rede de mães, no meio do caminho a gente virou uma rede. 

E eu, até passar pelo que passei, não sabia do CDH, não sabia de mães, associações de mães, não sabia de nada disso. E de repente eu estava lá fazendo o trabalho de formiguinha do projeto Litigância, apresentando o projeto nas reuniões dos grupos daqui da região. E as pessoas ficavam e até hoje ficam muito assustadas com as nossas falas sobre o que vivemos e sobre a nossa luta. Elas percebem a gravidade da situação da nossa região… E, como eu falava de milícia, elas tinham muito medo…

Eu também tive medo no começo. Tinha drone em cima da minha casa,m sempre tinha alguém na esquina de olho na gente, moto passando toda hora… Mas, ao mesmo tempo, fui conhecendo também quem eram os meus inimigos. Porque, inicialmente, eles viam o meu rosto, eles sabiam quem eu era, mas eu não sabia quem eram todos eles. Então, eu fui começando também a mapear essas pessoas. Fui sabendo quem era quem. Sobre alguns eu já sabia, outros fui descobrindo com o tempo.

Aos poucos, fui vendo o quanto as coisas eram complicadas. Por exemplo: quando eu cheguei na delegacia pra fazer o BO, eles tinham foto dos caras, tinham os nomes, tinham endereços, tinham tudo. O delegado falou: “devia ter 3 ou 4 pessoas no carro, porque o assassino saiu da porta de trás, então devia ter alguém dirigindo e alguém na frente, por isso ele estava atrás”. E eu guardei até hoje essas informações… a gente guarda essas coisas. Depois, ele disse: “a gente vai conseguir pegar esse cara rápido, porque temos o rosto dele”. Então, eu não entendo porque que até hoje não fizeram nada. Não fizeram nada.

Tempos depois, um cracudo falou pro meu irmão que quem tramou a morte do Rodrigo não sabia que ele não mexia com droga, julgou ele porque ele tinha amigo que mexia. Mas eu criei os meus filhos pra não terem preconceito com ninguém, porque o que importa são as nossas atitudes. E ele detestava até o cheiro de maconha. Quando ofereciam, pra não pagar mico, usava umas desculpas engraçadas: “não posso porque tenho epilepsia, porque eu tenho problema cardíaco”. Agora, eu jamais imaginei que ele seria julgado pela amizade que tinha com fulaninho… 

De todo modo, esse tipo de argumento – “morreu porque andava com fulano…” – não me entra na cabeça, porque é uma tentativa de justificar uma morte injustificável. Nada justifica executar uma pessoa daquele jeito. E depois quererem dar uma desculpa esfarrapada… é muita covardia, é muita crueldade. 

Desde que perdi o meu filho, eu mudei muito o meu olhar em relação a várias coisas. Antes, eu pensava que jamais seria atingida por certas coisas, pois estávamos no nosso canto, vivendo a nossa vida, não prejudicávamos ninguém, trabalhávamos … Aí, a gente acha que a violência não vai nos atingir. A gente cria um olhar egoísta, pensa que as tragédias vão chegar é pra quem usa droga ou faz determinada coisa. Isso sem saber nada da vida da pessoa. Mas a gente já tem uma ideia cartesiana, é cheio dessas ideias pressupostas … Mas atualmente, não. Hoje, eu já fiz o meu giro decolonial, já tenho outra cabeça. Não me norteio como os cartesianos, agora eu me suleio… vou suleando as ideias. Tem que sulear as ideias, porque a gente não é do norte, a gente é do sul. Do norte é a ideia cartesiana, a gente tem que ser do sul. O nosso norte é o sul.

Suleando, a gente começa a ver o mundo não de uma única perspectiva, mas de pluriperspectivas; começa a ver com outros olhos. Quanto perdi meu filho, pensei “meu Deus do céu, qualquer pessoa pode ser atingida”. Mas depois eu fui tendo mais noção, fui entendendo um pouco mais o racismo. Quando pensa sonre isso, a gente conclui: “olha, eu não posso ser preto em paz”. E não tem jeito: eu vivo ali no meu cantinho sendo preta – sempre fui, fazer o quê? Eu não tenho um fecho éclair que eu pra desvestir a minha pele. Além do mais, eu gosto da minha cor. 

Então, ao ser atingida por aquilo abruptamente, eu priomeiro fiquei me perguntando: “meu deus, porque que… porque eu? Onde foi que eu errei? Meu deus do céu… eu fiz tudo certinho”. Fiquei pensando assim o tempo todo. No primeiro mês, acho que eu fiquei o tempo todo revendo tudo o que eu fiz. Eu pensava: “meu Deus, nesses 20 anos eu me dediquei totalmente a ser mãe, pra que meus filhos não tivessem uma família desestruturada; eu participei de todas as reuniões de escola – e já tinha um acúmulo de reuniões, porque tinha ido antes nas reuniões dos meus irmãos caçulas. Porque preto pobre é assim: quando você é um pouco mais velho, você toma conta dos seus irmãos e aí, quando você vai ser mãe, você já está um pouco sem paciência, porque você já criou seus irmãos, e então você vai criar os seus filhos e passa por todas aquelas coisas de novo. Mas eu me dediquei, só fui buscar uma faculdade quando meus filhos já estavam bem autônomos, fiz tudo pensado. Fui muito presente, participei de todas as festas da escola; em todas as gincanas, eu ajudava… Depois, fui fazer faculdade pra eles saberem que teriam que fazer uma faculdade. Fiz de tudo pra dar o exemplo. Meus filhos foram criados com a seguinte filosofia: pra poder você poder falar qualquer coisa de alguém, você tem que andar certo. Meu pai dizia pra gente: “eu gosto de andar certo pra ser malcriado”. 

E a gente andava certo… Nós não jogávamos lixo no valão… Fazíamos todo um trabalho de ensinamento pros vizinhos, pra não jogarem lixo no valão, porque aquilo ali ia voltar pra gente. Então tinha ali todo um trabalho, que fui construindo a cada dia. A construção de uma família é isso: é você tentar fazer o seu melhor e tentar também participar de de tudo. E eu participei. Aí, quando o meu filho foi morto, eu falei pra minha irmã: “parece que alguém olhou pra tudo o que eu fiz e disse assim ‘ah, foda-se, isso aí não me interessa’; pegou e deu descarga, sem olhar o que eu fiz”. Isso me deixou com muita raiva, tanto que no filme eu até falei: “o ódio é mais forte que a dor”. Porque é isso mesmo: você fica com muito ódio do sistema, muito ódio do estado, de como que a pessoa conseguiu chegar naquela posição ali, fazendo tantas coisas horríveis, e ficando totalmente impune?

A pessoa que matou o meu filho, antes de se tornar policial, antes de qualquer coisa, já era uma pessoa cruel, era uma pessoa ruim, nunca se deu bem com os vizinhos, gostava de bater nas crianças menores, gostava de fazer maldade com os bichos… E como essa pessoa se torna um policial? Fica parecendo que a instituição escolhe os piores pra compor a sua rede. Porque eles, no final, acabam se envolvendo numa rede de mafiosos, movida a violência e impunidade. E buscam tirar vantagem econômica do poder de violência que têm.

Eu via aquilo tudo e ficava muito abalada, com muito ódio. Abalou até a minha fé, parece que nada tem sentido. Você deixa de acreditar nas coisas, porque percebe que até a sua religião é crucificada, porque vê muita gente que se diz líder religioso fazer coisas horrorosas e espalhando a intolerância, como se só quem fosse daquela religião tivesse valor. Os piores estão se escondendo ali. E ao mesmo tempo fazendo várias crueldades, cometendo vários tipos de violações, e sempre se escondendo atrás da Bíblia. Essas coisas deixam a gente meio descrente de tudo.

Então foi no meio disso tudo que eu entrei pra luta e a luta foi crescendo, nossa rede foi se fortalecendo. Em 2018, quando o filme “Nossos mortor têm voz” foi lançado, a rede já estava mais consolidada, e aí fizemos lançamentos do filme em vários lugares do país; Levei pra Bahia, levei pra Minas… a Luciene levou pro Ceará. Eu fui até para Paris com esse filme. E o filme passou em tudo quanto foi lugar da Europa, na Alemanha, na Inglaterra…

Muitas universidades pediram – universidades de todo o país, de cursos variados (Criminologia, Serviço Social, História). De fora do Brasil também. Em disciplinas sobre direitos humanos de Princeton, de Harvard, o documentário foi muito usado para falar um pouco sobre os acontecimentos da violência na Baixada Fluminense e sobre o quanto ela é invisibilizada. 

Mas participar dos movimentos foi outro aprendizado, sobre o quanto as relações são complexas e difíceis em todos os contextos. Nos movimentos, também tem gente sem empatia – gente preta, como eu! Isso me deixa indignada. Tem gente que está mais preocupada em ficar à frente de projetos do que realmente lidar com a dor das pessoas. Aí, não assume a responsabilidade por várias coisas, e isso sobrecarrega a gente.

Eu tento correr atrás, o que eu puder fazer pelos meus companheiros, eu faço… ligo pra um, ligo pra outro, ligo pra um, ligo pra outro. Busco psicólogo pra atender a mãe que está numa situação mais grave. Mas são muitas violações. No meu caso, foi muito brutal, porque o caso do meu filho foi execução sumária, mas a Baixada é cercada por violações. Ela é muito violentada. Então, dentro do nosso grupo, eu acabo ficando muito limitada, porque só atendemos violência do Estado. E são tantas outras violações acontecendo: muito abuso sexual, estupro, feminicídio, muitas crianças desaparecidas, muitos desaparecidos forçados. Minha relação com os coletivos, às vezes, fica meio fragilizada em função dessa questão, porque eu quero que o coletivo dê conta das violações numa perspectiva mais ampla – porque, se você pensar bem, em todas elas há alguma culpa do Estado. 

Mas é isso: muita gente ainda precisa dar um giro decolonial para que a gente consiga avançar nas lutas. Não tem como fecharmos os olhos pros vários tipos de violações, que são muito interligadas. Aqui, a gente está realmente numa baixada, tem floresta pra todo lado, além de muitos terrenos baldios. Isso favorece muito os desaparecimentos forçados, as execuções sumárias, os estupros. E há coisas que a gente nunca vai saber, porque existe uma quantidade enorme de cemitérios clandestinos. E quem comete os crimes não são pessoas leigas. Eles sabem que se pegarem o corpo de uma menina, estuprarem e jogarem a menina na água, não vai ter como provar quem foi, porque a água lava o corpo, leva as evidências. Eles tiram os dentes das pessoas pra não poder ter a arcada dentária pro reconhecimento da pessoa; cortam os dedos, pra poder não ter impressão digital. 

É muito complicado você se deparar com pessoas vivendo situações tão graves e não ter pra onde encaminhar. Então, eu vou atrás de tudo que é grupo… Coitados dos meus outros grupos. Eu peço ajuda aos universitários. Porque sempre uma rede conhece outras redes, e isso ajuda muito. As redes vão se articulando com outras redes. Quando percebo, já tem coisas que eu vou articulando naturalmente, porque penso como movimento social, e não a partir de uma ou outra organização ou projeto. Circulo em tudo o que é grupo e vou criando articulações.

Assim a gente vai se tornando protagonista da própria luta. Eu nem gosto muito dessa palavra “protagonista”, mas não tem outra pra falar desse processo de tomar as rédeas da sua vida e da sua luta. Não gosto de protagonismo porque me lembra a ideia do protagonista do filme de ficção, me lembra personagem. Mas sou uma personagem da vida real, né? Estar naquele documentário, naquele “filme da vida real”, é algo que me é imposto, que eu jamais iria querer.

E eu rejeito essa ideia de que algumas pessoas têm mais importância porque têm mais visibilidade, ou porque têm um saber acadêmico. Isso é pensamento de cabeça muito colonizada, O Nêgo Bispo, que tem umas reflexões muito boas, questiona o fato de nossa sociedade só validar o saber científico e lembra que o saber orgânico – que as pessoas constroem no dia a dia, que é integrado com a vida cotidiana – é extremamente importante. A Denilde Petrina fala muito isso, também.

A pessoa pode ser a mais simples que for, mas ela tem um saber que é dela: ela conhece o lugar em que mora, aqueles que ama. Eu é que vou saber dizer o time do meu filho, a cor de que ele gostava, com quantos quilos ele nasceu, a altura dele, além das muitas características maravilhosas que eram só dele. Quando falo do Rodrigo, falo isso com a confluência de todo o seu saber, da experiência inteira da minha vida se forma esse dizer de “quem é o meu filho”, “quem é o Rodrigo”. 

Por isso é importante as pessoas entenderem que, nos nossos movimentos, há um lugar que é de quem perdeu um parente, que é uma pessoa que enfrentou e enfrenta muito sofrimento e que, também, tem entranhado nela o conhecimento profundo daquela pessoa assassinada, e vai buscar nesse conhecimento o que há de mais precioso para levar para a luta. E há os apoiadores da luta, que não podem querer tirar o lugar de quem tem que falar. 

Quem tem que falar são os familiares de quem foi assassinado, quem tem que falar é quem vive no lugar em que estão havendo violações e assassinatos. Inclusive porque, considerando por exemplo as milícias, elas são diferentes, têm facções diferentes… Penso assim: se aconteceu algo em um local, só quem mora lá vai conhecer em profundidade e ter propriedade pra falar. Outras pessoas não podem sair querendo falar em nome delas.

E quando fala no debate sobre segurança pública, a primeira coisa em que se pensa é nos acadêmicos. E os gestores, a primeira coisa que pensam é em armar a polícia, colocar mais arma na rua. A segurança deles é a do patrimônio… Eles não estão pensando na segurança da pessoa, da população … Não se interessam por uma visão mais estrutural da segurança pública, que precisaria de um trabalho de educação, de um trabalho social, de um trabalho cultural… E às vezes até num trabalho sanitário mesmo, pois há lugares em que você vê o esgoto a céu aberto. E se faltam coisas tão básicas, não tem como falar de segurança pública, do direito das pessoas de ter suas vidas protegidas. Mas nada disso conta. A grande preocupação é armar a polícia. Mas a gente só começa a entender isso depois que está dentro dos movimentos. Você percebe, por exemplo, que tem muito dinheiro envolvido. E quem ganha dinheiro com isso? As grandes empresas de armamento. Ganham também os políticos populistas que vendem a falsa ideia de que a população tem que se armar mais para que a segurança pública melhore.

E o que alimenta tudo isso? O medo da violência. E o que alimenta esse medo? Uma visão preconceituosa, muito difundida pela mídia, que mostra uma Baixada Fluminense muito violenta, mas não mostra uma Baixada violentada. A imagem que circula é a da Baixada violenta, do baile funk cheio de gente armada. Aí, a população que tem dinheiro, preocupada com seus bens patrimoniais, acha que a solução é armar a polícia. Quando, na verdade, aquela arma que chegou lá naquela localidade foi vendida pela polícia. E no final, quem tá ganhando dinheiro são as indústrias de armas, porque estão vendendo pros dois lados. 

E hoje há um monte de brechas na lei pras pessoas andarem por aí armadas. Então, tem gente que acha de verdade que pessoa pobre e preta é sujeito matável, “então pode matar que não vai dar nada, não”. Mata o jovem da favela, mata o mendigo, mata a prostituta. É quase um tiro esportivo que faze das pessoas o alvo. E as pessoas têm achado que é uma coisa natural, está extremamente naturalizado: o assassinato dessas pessoas é a coisa mais comum do mundo… “Tem mais é que morrer”. Ou então vem a justificativa: “mas ele estava fazendo isso e aquilo”. E aí, o que que acontece? O criminoso praticamente vira um herói, porque ele criminaliza a pessoa que morreu, a vítima. E ele é o sujeito herói. Alguns recebem até medalhas por isso. Prova disso é o cara lá que matou a Marielle. 

Lutamos contra uma estrutura de violações e morte muito pesada e legitimada. Por isso, temos que seguir olhando para as coisas que dá pra fazer em cada momento e em cada lugar, pra não desanimar. Nossa estratégia é não quase não ter estratégia; é seguir encarando os desafios um a um.

Mas, por outro lado, eu penso que temos que ter estratégia para falar da nossa luta. Porque é cada vez maior a desumanização do sujeito preto. Então, quando a gente trata disso colocando só números, eu fico muito preocupada, porque fica muito frio. Penso que é sempre importante falar sobre quem são aqueles números, sobre quem são aquelas pessoas. Porque número a gente já é: é número da identidade, do CPF, do título de eleitor, da matrícula na faculdade. Então, a gente já vive mergulhado em número. 

Os números são importantes pra dar uma dimensão das quantidades absurdas de mortes, mas é preciso humanizar essa informação. E humanizar números é quase impossível. Mas se você colocar o rosto da criança que foi morta, e que está na contabilidade daquele número de mortos, ele deixa de ser só um número: você humaniza.

Por isso, eu insisto: temos que sair do mundo cartesiano, que dar o giro decolonial, que encontrar o nosso jeito de falar do que nos oprime tanto. E, pra mim, o principal caminho é humanizar, é chamar a atenção pra história daquela pessoa. Eu tenho uma grande preocupação com isso. É por essa razão que é importante, quando quisermos falar da Emily e da Rebeca, assassinadas a tiros enquanto brincavam na porta de casa, é a mãe, o pai, a avó, a madrinha que tem que falar … pra mostrar pras pessoas que eram crianças ali, porque as pessoas nem enxergam mais as nossas crianças pretas como crianças dignas de cuidado. Prova disso são as três crianças que sumiram aqui, recentemente, e a polícia levou uma semana pra começar a agir no caso. Se fosse uma criança branca, da zona sul, estaria tudo de pernas pro ar, tinha até helicóptero, cobertura da mídia direto.

Porque se as pessoas pensam que aqui só tem arma e violência, vão ter é medo da gente, achar que todo mundo aqui é bandido, e não dar a mínima pras nossas vidas. Nisso, até as crianças são desumanizadas. É como se elas não fossem crianças, mas sementinhas do mal: é assim que elas são chamadas por muita gente. Acham que a mulher preta já vai gerar um bandido mirim. Então, quando acontece algum caso, a primeira coisa que as pessoas falam – e isso acontece até entre os nossos – é: “o que que aquelas crianças estavam fazendo?”. Já parte pra criminalizar a vítima. E, se não dá pra criminalizar a vítima – porque às vezes a vítima estava em casa, brincando – tentam criminalizar a família: “Ah, mas isso aí deve ter sido… o pai deve ser bandido, a mãe deve ser traficante, a vovó deve ser a vovó do pó…”. Sempre tem alguma coisa desse tipo. Tentam sempre justificar a morte. Agora, se fosse uma criança branca da zona sul desaparecida, eu tenho certeza que o exército todo estaria nas nossas ruas, procurando em todas as casas.

Enfim… tem muita luta pra gente lutar aqui na Baixada. São inúmeras violações, e você tem que caminhar em passos de formiguinha. E ainda tem pessoas, entre os nossos, que repetem os mesmos preconceitos que nos matam. No caso do meu filho mesmo: tem um monte de gente que se posiciona do seu lado, que te mostra que a luta por justiça para o caso dele é uma luta coletiva, dá uma sensação de que o mundo está junto com você. Ao mesmo tempo, o outro vizinho é o culpado pela morte do meu filho. É tão horrível que você tem que se juntar com muita força com quem se coloca do seu lado, pra ressoar a sua voz, para falar junto com você, para cantar junto com você. A gente se junta à luta nesse momento do desespero. 

É fundamental termos estratégia coletivas pra fazer as vozes dessas mães ressoarem. A gente sabe disso na prática, porque está senpre atento ao que dá certo e ao que dá errado, e aí vai mudando o jeito de fazer. Quando a avaliação é de que um ato deu certo, a gente pensa “beleza, deu certo, vamos seguir nesse caminho”. Quando é o contrátio – o ato aqui deu ruim –, a gente pensa: vamos mudar o jeito de fazer ou vamos fazer outra coisa”. Assim, a gente vai mudando, pouco a pouco, lentamente. Vai ampliando o nosso repertório e realizando coisas mais impactantes.

Eu, por exemplo, tenho trabalhado muito com grafite e com a memória, que é um elemento que considero muito importante. Sou historiadora, então eu acho que é importante contar a história da pessoa. E juntar isso com o grafite dá coisas interessantes. Arte e memória dão um bom casamento. Então eu fiz o grafite do meu filho no muro lá de casa.

Eu tenho trabalhado muito com grafite na IMJR, e numa das nossas reuniões de rede eu tive a ideia e propus: “olha, eu quero fazer um grafite do meu filho no muro lá de casa, porque foi lá que ele nasceu, cresceu e morreu ali. E eu quero impor a presença do meu filho ali. Se mataram a história do meu filho, não vão matar a memória dele”. 

A ideia deu muito certo e me convidaram pra trabalhar com a questão da memória nos projetos, porque eu sempre enfatizo essa questão, que é de extrema importância.

Temos que fazer coisas como o grafite do meu muro porque com esse tipo de ação você vai construindo, pela memória, sentido pra luta. Essa é a nossa ação de formiguinha: começa com ideias soltas que são colocadas, a gente se organiza pra realizar uma ação, faz um rascunhozinho, depois cria uma ação. E depois outra, e outra. 

Grafitar meu muro com uma imagem do meu filho foi uma coisa muito importante pra mim. Eu sei que o meu filho não se resume àquele grafite, mas ele é um pedaço da memória dele. Tem um momento dele ali naquele muro: um momento em que ele estava feliz, rindo, se divertindo. É um momento da vida dele ali. Escolhi um momento bonito e ele foi colocado ali, num desenho. Aquilo ali tem uma representatividade muito grande pra quem era próximo dele – pra mim, pro meu irmão, pros amigos, pros tios… É uma representatividade muito grande, tem um significado afetivo enorme. 

Já as pessoas de fora enxergam de outra forma. Elas não conhecem a história dele, não sabem quem ele foi. Mas eu acredito que chama a atenção. Mesmo sem quem é aquela pessoa retratada no grafite, quem vê o muro, de alguma forma, já conhece o rosto. E sabe que ali tem a história de alguém. E fica pensando que deve ter algo muito significativo para aquela imagem ter sido registrada ali. Chegar nas pessoas desse jeito é muito melhor que pelos números, que os cartesianos gostam de enfatizar.

Acredito muito nisso: em ir além dos números e mostrar as histórias, mostrar as imagens. Considero essa estratégia muito boa e, por isso, tenho usado ela muito. Fizemos o grafite com uma outra mãe, a Paula, que teve o filho foi assassinado em Japeri. Nossa, ela ficou tão emocionada… Todo mundo se emocionou: a família dele, os amigos… E os amigos dele já tinham feito outra ação incrível: montaram um time de futebol em homenagem a ele – o que também é uma maneira de manter a memória dele viva! Essas ações que passam pela memória, pela sensibilidade e pelo afeto das pessoas marcam muito, têm muita potência. Uma coisa é olhar para um número; outra é se deparar com imagens, palavras e ações que carregam a memória de uma vida. Eu penso que, no meu ativismo, tenho que falar e investir cada vez mais nesse tipo de coisa, porque se não for por esse caminho, a gente não consegue tirar ninguém da indiferença.

A memória do meu filho também vive a cada vez em que ele é lembrado pelos amigos, que estão sempre colocando algo nas redes sociais, inclusive no Facebook – porque eu não desativei as contas de Facebook. Eu achei que seria muita crueldade da minha parte tirar isso das pessoas que o amam. Então eu deixei lá e as pessoas estão sempre colocando poesia, música que lembra ele… Tudo isso também é um tipo de memória. Então, as páginas de Facebook dele se tornaram um memorial. Eu tenho que colocar lá imagens das tatuagens em homenagem a ele que algumas pessoas fizerem: olha as imagens da memória aí de novo. Eu tenho vontade de catalogar todas essas coisas, mas ainda não consegui, porque é muita coisa.

Então, a minha vida é isso: eu não paro, eu vou em tudo quanto é lugar, porque eu tenho que contar a história não só do meu filho, mas a história dos filhos das outras também. Por isso estou na luta.

A rede de movimentos que tratam das violações aqui na Baixada está se ampliando, cada qual trabalhando com uma questão dentre tantas violações. Por exemplo: no bairro Km 32, que tem um grande número de desaparecimentos forçados, existe um grupo grande: o Filhos em nome do Pai; tem as Mães de São João de Meriti, tem grupos de mães do sistema socioeducativo e do sistema prisional – que são grupos muito sofridos também. Então, é uma rede que vai crescendo à medida que novos grupos se formam e passam a fazer ações juntos.

Assim a luta vai se espalhando: sempre há novas mães se somando à rede. E é claro que a gente tem encontros mas, às vezes, há desencontros, temos conflitos. Mas eu não tenho medo do conflito: onde tem gente, tem conflito. A diferença é o que a gente faz com ele. Eu acho que o melhor é conversar.

Mas somos uma rede que acolhe. Nela, você é acolhida e você acolhe. E eu acho importante que nós, como rede, demos à companheira que já foi acolhida o papel de também acolher – que é um papel muito importante, é uma função social. Não podemos centralizar esse papel, porque todas precisam aprender, tanto acolher quanto ser acolhida. Porque depois ela vai trazer outras mulheres para a luta, e isso tem que ser feito com muito cuidado, pois cada uma tem um tempo de luto. Não posso simplesmente ir atrás da mulher que perdeu o filho hoje, convidando pra participar. Não somos urubus. É preciso respeitar o tempo de cada uma.

A gente se une pra não deixar que as coisas fiquem por isso mesmo, pra não deixar que a memória dos nossos filhos se perca, pra tentar mostrar pra sociedade essa tragédia que acontece bem na frente de todo mundo, mas ninguém liga. Fazemos isso contando as histórias dos nossos filhos, e isso é muito duro, temos que reviver, inúmeras vezes, aquela dor enorme. Então, as lágrimas fazem parte da nossa luta. Eu sempre choro ao contar a história do meu filho e também choro toda vez que uma mulher conta a história do filho que perdeu. Porque são histórias horríveis, e são muitas e muitas histórias. Eu acredito na força dessas histórias que são contadas com muito sofrimento. Acredito que, com elas, temos chance de sensibilizar as pessoas, de tirar as pessoas da indiferença.

O ideal seria gerarmos um choro coletivo, um choro da sociedade, mas nosso trabalho é de formiguinha, a gente vai pra tudo o que é lugar (pros fóruns e tribunais, pras ruas, pras praças, pros filmes, pra televisão). E em cada lugar a gente marca a memória, mostra o nisso sofrimento e grita por justiça.

Quando eu comecei a ir aos encontros nacionais, que juntavam redes do Brasil todo, pensei: “aqui eu vou aprender muito”. E então aprendi que as fotos nos cartazes são muito fortes, que temos que ter uma bandeira de luta, que temos que ter uma camisa. Quando eu entrei na rede, ela não tinha uma bandeira, não tinha camisa… Eu, como boa historiadora que sou, e já tendo percebido coisas muito simbólicas nas ações de outras redes, fui logo dizendo: “olha, vamos fazer camisa, vamos montar uma logo”. A gente montou uma logo, montamos um símbolo. E fiz uma camisa com a foto do meu filho. Porque quem conheceu o meu filho olha pra ela e se lembra. Os amigos dele também andam com camisas com fotos dele. Não pararam nem quando sofreram ameaça de pessoas que queriam que o crime fosse esquecido. Mas a gente não deixa ele cair no esquecimento. Com esse tipo de coisa, você pode não estar presente, mas a sua bandeira de luta está. Isso vai marcando um legado.

É importantíssimo marcar as coisas, criar, construir símbolos. E dá pra fazer alguma coisa que marque mesmo sem ter dinheiro. Porque tem coisas que exigem dinheiro, mas dá pra fazer coisas com materiais simples e baratos, mas um grande poder ser simbólico. Tem gente que vai ao Fórum e fica lá, dia após dia, com os símbolos do filho que perdeu, reclamando por justiça. Essa pessoa pode pegar uma caixa de papelão, cortar a caixa, fazer um monte de cruz com a caixa.

E só a presença do familiar pedindo por justiça diante do Fórum pode ser muito marcante, mesmo que às vezes ele vá até sozinho. É assim com o Seu Zé Luiz, que perdeu o filho dele, o Maicon, que era uma criança de dois anos que estava dentro de casa brincando e foi morto por um tiro de fuzil da polícia, durante um tiroteio. E sabe como essa morte foi registrada? “auto de resistência”. Eles alegaram que o Maicon resistiu à prisão! Então o pai dele mandou fazer uma bandeira com a foto do filho e resolveu ir protestar todo dia na frente do Fórum.

Então, vira e mexe ele está lá no Fórum fazendo um trabalho pra não deixar o caso do filho dele ser esquecido. E ele está certo! E às vezes ele vai sozinho mesmo. Vai lá, estende a bandeira de luta dele, com o rosto do filho, espalha os brinquedos do filho ao redor…

A gente tem que chocar também. No dia dos depoimentos desse caso do Maicon, aconteceu uma coisa bizarra. O irmão do Seu Zé Luís, que trabalhou no Exército e é especialista em armas, foi uma das testemunhas, e ele descreveu em detalhes o poder devastador de uma bala no corpo – ainda mais no corpo de uma criança. No final da explicação dele, estava todo mundo muito chocado, e ele completou: “Maicon tinha dois anos, estava começando a andar, estava aprendendo a andar”. Foi só aí que a juíza foi se dar ao trabalho de ler a idade da pessoa assassinada no processo, porque ela não sabia, até então, que o Maicon tinha dois anos. Já começou perguntando: “O Maicon resistiu à prisão”, “Por que?”.

E esse tipo de coisa acontece o tempo todo porque o testemunho da polícia vale muito mais do que a nossa fala, entende? É o que a gente chama de Súmula 70, porque esse é o número de uma determinação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que define que há a presunção de inocência do policial e a palavra dele é considerada uma prova. Isso serve de bengala pros juízes. É aí que a gente começa a perceber como o racismo funciona: é de maneira estrutural e, por isso, de maneira institucional, também. A instituição já tem ideias tão preconcebidas da favela e periferia que só enxerga o mundo por aquela lente. E nessa visão deturpada, se o policial falou que a pessoa resistiu à prisão, é porque era bandido e resistiu. Por isso aquela juíza só leu o nome e não viu que o Maicon só tinha dois anos. 

A luta exige que a gente seja criativo, também. Porque quase sempre a nossa luta é feita sem dinheiro e contra estruturas muito poderosas. Mas, se eu não tenho dinheiro, compro uma tinta guache preta, peço uma caixa de papelão no mercado, pego essa caixa e corto, faço cruz, pinto. Ou posso fazer cruzes brancas e colocar, em cada uma, o nome de uma pessoa assassinada.

Não precisa só pegar carona nas frases que ganharam a mídia, como “quem matou Marielle?”. É claro que a gente pode fazer cartazes com perguntas como “quem matou o meu filho?” e “quem matou o filho dela?” Eu sempre pergunto: “quem matou Rodrigo?”. As pessoas chamam a atenção para quantos dias se passaram sem Marielle, e isso é importante, mas eu reivindico que olhem o caso do meu filho também: hoje, completaram 1895 dias, 3 horas e alguns minutos que tiraram a vida dele de forma brutal. A gente tem que lutar o tempo todo pra não ser esquecido.

A questão da mídia é complicada. Existem movimentos, e existem pessoas dentro dos movimentos, que só vão onde tem uma mídia, quando vai aparecer na televisão. E isso pode ter dois moticos: vontade de aparecer mesmo, ou vontade de mostrar o movimento – que é importante também. Mas, ao mesmo tempo, a gente pensa: precisamos dessas pessoas na Baixada, fazer a luta do dia a dia com a gente. Isso dá muita angústia.

Por isso, fiquei muito solidária com a angústia da Kaká. Eu via ela sozinha tentando chamar a atenção pro caso do filho dela, tentando juntar mais gente à luta dela. Então, tudo o que ela faz, eu divulgo nas minhas redes sociais. E é isso o que a gente tem que fazer. Eu queria era poder estar com ela lá na porta do Fórum, levar lá uma bandeira, levar uma cruz, levar um megafone, e ser mais uma voz gritando com ela ali.

Mas a pandemia atrapalhou muito essa característica nossa, de fazer as coisas olho no olho. No virtual, fica muito frio, muito duro.

Voltando à questão da mídia, ela é importante, mas precisamos de uma mídia mais humanizada. Mas a gente vai conversando e sensibilizando, e já existe um grupo de jornalistas buscando trabalhar de outro jeito, mais humano. É um grupo que tem colaborado bastante, ajudando mesmo o nosso trabalho de tentar humanizar e sensibilizar. A maioria está em mídias alternativas, mas, por incrível que pareça, até na Globo há alguns parceiros nossos.

Nós construímos parcerias com jornalistas porque não dá pra fazer só coisa micro. Só com cisa micro a gente não consegue chegar nos grandes, a gente só consegue ficar no trabalho de formiguinha. Tem que partir pro macro também. Casos gravíssimos em que a Baixada é violada nem aparecem na TV. E como que as instituições nem ligam, teve um caso de crianças desaparecidas em que só ligaram pra família uma semana depois, quando o caso começou a ganhar repercussão em telejornal. Só aí que foram colocar a Polícia Civil pra fazer as buscas. Nesse tempo de uma semana, muita coisa horrível pode ter acontecido com aquelas crianças. Então, buscar espaço na TV é muito importante, porque a visibilidade dos casos faz as instituições se mexerem. 

É tanta frente pra gente agir, e são tantos os obstáculos… Então, a luta aqui é constante. Acontece em todos os dias, em todos os minutos. São muitos casos horríveis que chegam na gente. Eu mato um leão gigante por dia. E tem dias em que eu não estou bem. Então, eu até evito sair. Porque eu faço um esforço sobre humano pra ser uma pessoa boa. Porque a verdade é que eu tenho todos os motivos pra poder ser um poço de pura amargura. Mas eu resolvi lutar por justiça, então faço o esforço, todos os dias, pra não ser ou não cair nesse poço.

A indignação me obrigou a escolher o caminho da luta, mas eu repito até hoje: eu nunca quis estar nesse lugar de fala. Se eu pudesse voltar no tempo e mudar a história da minha vida, é lógico que eu preferiria estar com o meu filho vivo e nem saber de tudo de ruim que eu hoje sei que há no mundo e que me dedico a combater.

É duro demais pensar que o meu filho, que eu criei com tanto amor e cuidado, foi tirado de mim daquele jeito. É duro demais lembrar que ele estava se destacando no Exército e pensando em fazer faculdade de logística, pra se desenvolver mais na área dele. Eu penso o tempo todo coisas como: “o que que meu filho estaria fazendo hoje? acho que eu já seria avó”. Vejo que os amigos dele estão se tornando pais agora. E eu fico feliz por eles mas, ao mesmo tempo, me dá uma profunda tristeza… porque eu não consegui ainda ser avó e o Thiago nunca vai ser tio… Me tiraram isso. Me tiraram esse direito de eu ser avó, tiraram o direito do meu outro filho de ser tio.

Ai meu deus do céu… os filhos das primas dele jamais irão conhecê-lo. Essas crianças olham o grafite e perguntam pro Thiago: “é seu primo?”. Aí, o Thiago fica olhando e responde: “não,  é meu irmão”. Ele sofre pra caramba quando isso acontece, mas nessa hora ele conta a história do irmão. E tem os meninos pequenos falam: “meu tio tá ali, olha lá o meu tio, ele tá viajando…”. E foi tudo tão abrupto que muitas vezes, na minha cabeça, parece até que meu filho foi viajar, sabe, e que ainda vamos nos encontrar. 

Dentro das religiões de matriz africana, o meu filho, ao morrer, vira um ancestral. Passa a habitar o lugar onde estão os meus ancestrais. Está junto do meu pai, da minha avó… Eu acho importante essa visão, porque ela mostra que nossas vidas têm uma conexão profunda. Mas eu não fico pensando em vida após a morte na perspectiva religiosa, não. O que eu penso é que, quando eu conto a história do meu filho, de certa maneira eu estou falando da vida dele, após a morte dele. Estou cumprindo uma missão de não deixar ele ser esquecido. Não é adoração pela morte, não. Claro que é dolorido, mas contar a história dele é dizer: “eu tive a honra de ser a mãe desse moleque e ficar com ele por 19 anos. Um moleque que dividia tudo o que tinha, ajudava as pessoas, era cheio de compaixão pelo outro, respeitava e pedia ‘bença’ pros parentes mais velhos, que era brincalhão com todo mundo, que gostava de viver a vida e nem ambição tinha”. É na memória que a gente perpetua a vida. Eu acredito muito nisso.

Então, por mais que doa, eu tenho que contar as histórias do meu filho, pra que todo mundo saiba que a vida dele foi especial. Como um caso, do qual fiquei sabendo outro dia: uma pessoa me contou que, numa ocasião, o Rodrigo viu a filha de um amigo sem leite, porque o amigo não tinha dinheiro pra comprar. Na mesma hora ele pegou os 10 reais que tinha pra ir ao baile e deu pro amigo comprar o leite, e depois explicou: “eu não ia conseguir estar lá no baile dançando lembrando da Emanuelle chorando de fome. É muito ruim chorar de fome”.

Ao mesmo tempo, vejo os milicianos envolvidos com a morte dele logo ali fazendo churrasco, eles ficam ali muito tranquilos… E isso é muito difícil pra gente que é da Baixada. Porque na favela, as pessoas de fora vão lá pra fazer o mal e depois saem. Aqui, é a população que está aqui que mata os nossos. Então, você é obrigado a passar pelo sujeito que você sabe que matou seu filho, e você vê o cara fazendo um churrasco e rindo, escutando samba, escutando pagode… É muito duro.

Quando alguém dá um tiro num menino como o meu, dá um tiro na família toda. Porque arranca de toda a família aquela pessoa que fazia parte do dia a fia. Eu estava acostumada a sair de manhã e dar um grito “Rodrigo, tô saindo!”, pra poder ele já vir correndo se despedir… Se ele saísse primeiro que eu, eu já sabia, porque ele deixava um rastro de perfume, já que ele tomava dois banhos, todo dia: um de água e um de perfume. Então até o cheiro faz uma falta que não tem medida.

Por isso, depois do meu giro decolonial, não me canso de repetir: quem tem que falar é a família, porque é ela que tem não só a cosmovisão, mas a cosmopercepção daquele que morreu: que é o cheiro, a voz… é tudo!

jovens e mães
contra o
genocídio
da juventude
negra