Lopo – Gabriel Lopo

Meu nome é Gabriel Lopo Silva Ramos. Tenho 24 anos e sou um jovem pardo, homossexual, atualmente morando sozinho no bairro Concórdia, em Belo Horizonte. A minha história com o ativismo e a mobilização juvenil começou em 2013. Sou de Montes Claros, cresci lá e morava lá quando conheci um grupo de jovens que era ligado a um movimento de esquerda que se tornou depois o partido Unidade Popular (UP).

Era um grupo de jovens, todos da escola pública, que se organizava para lutar contra o aumento da passagem de ônibus, pelo direito do jovem à cidade, por educação e fazia cine-debates em praças. Me integrei a esse grupo, que conheci nas Jornadas de Junho, nas manifestações que aconteceram na cidade, e também no Parlamento Jovem, que é uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas da qual participei. Os mesmos jovens com quem eu convivia no Parlamento, encontrava na rua. Então, nos unimos e começamos a atuar como um grupo.

Entre 2013 e 2016, nós realizamos muitas ações em Montes Claros: ocupação de escola, manifestações, participação em conferência de juventude, conferência de igualdade racial, conferência de assistência social… estávamos presentes em quase toda conferência que podíamos. Começamos a dinamizar o movimento na cidade, que era muito marcado por pessoas mais velhas, que já estavam há um tempo nas atividades e nos espaços considerados de esquerda. Acredito que éramos uma renovação dos processos de mobilização na cidade.

E éramos uma juventude que não vinha da Universidade: vínhamos do movimento da rua mesmo, partíamos das nossas condições de vida, pois todos éramos pobres. Então, o que nos unia era, principalmente, essa identidade: jovens pobres, moradores de periferias e, talvez, isso criava um certo desconforto com os grupos de esquerda da cidade, porque não éramos da universidade. Nós erámos jovens que poderiam ser “zé ninguém”, mas nos unimos de forma a levantar a bandeira “estamos aqui”. 

Eu quero marcar dois momentos que são importantes dessas mobilizações em Montes Claros: uma delas é a ocupação do CESEC. Para quem não conhece o CESEC, ele é o Centro de Educação Continuada, e há um polo em Montes Claros. Esse polo ia mudar de lugar no governo do Pimentel, então ocupamos o CESEC e ficamos lá por quase dois meses. A partir disso, conseguimos fazer o Pimentel baixar a portaria que cancelava a mudança da escola de lugar. Após 2 meses de muito confronto, conseguirmos essa conquista. Esse foi o nosso maior feito na cidade, na minha opinião: impedir que a escola mudasse de lugar, o que iria prejudicar muitos que estudavam lá. 

Em 2015, eu fui aprovado na UFMG, como cotista, para o curso de Comunicação Social. Eu não tive dinheiro para vir fazer a minha matrícula, então perdi minha vaga. Passei o ano seguinte estudando e trabalhando nos movimentos. Aprendi Photoshop e trabalhei como designer amador, fiz cartaz para evento cultural e também desenvolvi, de maneira amadora, a comunicação de um projeto cultural. Com essas coisas, consegui juntar R$ 3.000. No fim de 2016, passei novamente na UFMG. Enfim, passei duas vezes – mas na segunda eu havia conseguido juntar dinheiro.

Eu já tinha 18 anos e me mudei para Belo Horizonte. Quando cheguei, em agosto de 2016, era o fim do processo do golpe, do impeachment da Dilma. Isso foi um marco também, pois as manifestações de rua contra o golpe estavam naquela efervescência toda e eu entrando no curso de Relações Públicas. Eu havia iniciado o curso com a opção pela área de relações públicas, porque falaram comigo que o jornalismo estava em crise. Porém, depois, acabei mudando para o jornalismo, área com a qual me identificava mais. 

Naquele mesmo ano de 2016, aconteceram as manifestações de rua e as ocupações de escolas e universidades contra a PEC do teto dos gastos. Houve uma ocupação enorme na UFMG e eu cheguei em BH justo naquele contexto. Após as ocupações da PEC, vieram a reforma da Previdência e Reforma Trabalhista, com o Temer. A situação política foi se deteriorando, culminando na eleição do Bolsonaro. Mas eu segui firme no ativismo.

Em 2019, decidi pensar, refletir sobre a minha atividade militante. Senti a necessidade de pensar teoricamente o que significava aquela prática dentro das teorias sobre movimento social, mobilização e juventude. Pesquisando sobre juventude e movimento social no Google e nas plataformas da universidade, encontrei o Observatório da Juventude. As pessoas diziam que a Áurea Carolina havia sido do Observatório da Juventude, mas eu não sabia muito bem o que que era o Observatório. Um dia, fui na Faculdade de Educação e encontrei a sala do OJ, bati na porta e perguntei quando tinha reunião, para que eu pudesse participar.

Comecei a participar do Observatório em março de 2019, como voluntário. Àquela altura, eu já sabia um pouco sobre o Fórum das Juventudes, mas era um conhecimento distante – só ouvia falar, não entendia muito bem. Foi pelo OJ que me aproximei do Fórum.

Em 2020, fui aprovado como bolsista de extensão do OJ. Esse bolsista, geralmente, ocupa uma cadeira na secretaria executiva, para poder fortalecer os trabalhos do Fórum e, assim, eu entrei na secretaria executiva do Fórum das Juventudes. Em suma, eu cheguei no Fórum a partir da Universidade, mas também dos movimentos de rua. Ou seja, eu vi o Fórum na rua, mas eu também vi o Fórum no OJ.

Todas essas vivências me marcaram muito. Outra coisa impactante na minha trajetória foi a migração, que é uma experiência que marca muito a vida de uma pessoa. Mudar de cidade é algo muito forte. Eu cheguei em BH e já fui para os movimentos, pois já estava integrado às lideranças das ocupações da universidade. Desde 2013, eu já tinha contato com o pessoal que fundou a UP. Então já conhecia um pessoal daqui. Acho que foi isso o que aconteceu: eu cheguei e já estava envolvido. Pisei na cidade em uma quinta-feira e na outra quinta já ocorreu um protesto e eu estava na rua. 

Em 2019, fiz a mudança para o curso de Jornalismo e acabei no Fórum, onde estou até hoje, trabalhando e construindo. Atualmente, estou na reta final do curso. Como houve uma mudança na grade, foi necessário cursar mais matérias. Se eu tivesse entrado em 2016 e me mantido no curso, eu já estaria formado. Mas, como houve a mudança, perdi um pouquinho de tempo. 

Há um aspecto da militância que eu acho importante ressaltar ao falar daquele período: atuei no DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UFMG; fui coordenador por duas gestões e eu penso que, em processos como o ativismo estudantil, existe uma coisa muito delicada que é um certo sacrifício consciente. Eu sabia que o DCE prejudicaria meu desempenho acadêmico, mas, ao mesmo tempo, eu não me arrependo de ter feito parte daquilo. O que eu aprendi no DCE e também na rua, nos movimentos juvenis, a faculdade não conseguiria me ensinar. Se hoje eu consigo ficar seguro em Belo Horizonte, mesmo ainda sendo uma cidade estranha para mim, um lugar diferente, em que eu não tenho parente, é porque existe essa consciência dos movimentos sociais. Foi o que me ajudou a segurar a barra aqui, porque a mudança de cidade bate um pouco uma hora. Dessa forma, o que me fez sentir parte da cidade, integrante da vida cultural e política, foram os movimentos. 

Mas, embora eu entenda todo esse processo, na cabeça da minha mãe nada disso não faz o menor sentido. Ela não compreende os motivos que me fizeram prejudicar um pouco a faculdade. Mas foi um movimento muito consciente, porque eu sabia o que estava fazendo e não me arrependo, porque o que eu construí, o que nós construímos, foi muita coisa bacana. Nós vimos a UFMG criar banca de heteroidentificação para o sistema de cotas, por exemplo, que não existia. Foi luta e conquista nossa. Então ver isso, ter feito parte dessa luta, ter construído, é um negócio que nenhum curso, nenhuma graduação paga. 

É sempre muito estranho você ser de outra cidade e tentar se movimentar. É difícil mesmo para uma pessoa como eu, que nunca tive medo de me colocar no espaço, colocar a minha opinião, defender o que eu acreditava e seguia. Quando cheguei no Fórum das Juventudes, eu me sentia mais ou menos essa estranheza do estrangeiro. Mas o Fórum acolhe, é um grupo onde você se conecta de verdade com as pessoas. Além disso, ali estavam pessoas com quem eu me identificava, que encontrava muito, que estavam nas manifestações. Saber disso foi o que me segurou. 

Na época, eu estava construindo laços com as pessoas de BH de um jeito muito peculiar. Geralmente, quando alguém chega na universidade, se agrupa com pessoas do curso, da sala. Eu não. Eu tinha amigo em tudo quanto é curso da universidade – era o pessoal do movimento. Com isso, eu conhecia mais gente de fora da minha sala, o que se tornou uma coisa bem engraçada. As pessoas achavam que eu era da Letras, da Ciências Sociais, de todos os cursos, menos do de Jornalismo, porque eu rodava muito os cursos todos com as ações do DCE.

Mas eu nunca quis ficar restrito ao movimento universitário. Então, eu ia para a cidade para ver o que estava acontecendo, rodava os eventos nas praças, no centro, nos bairros. Assim, além de ocupar a universidade, eu também ia para fora, buscava descobrir o que acontecia além dela. Acredito que isso me proporcionou condições para fazer a militância que eu construí. Até porque, na UFMG, a minha militância era muito pelas ações afirmativas, e o movimento estudantil não era muito ligado nessa pauta. O interesse era por questões mais visíveis no cotidiano – como o bandejão, por exemplo. Enfim, por essa vontade de não ficar preso só à universidade, conheci o Fórum e topei participar.

Na minha trajetória de militância, o maior movimento que integrei foi o de construção de um partido político no Brasil – a UP –, durante oito anos. Atuei muito na construção daquele projeto político, que também buscava ser instrumento político e plataforma política. Nós coletávamos assinaturas de apoio o dia inteiro. Todos os dias eu coletava, no mínimo, 30 assinaturas. Todos os dias, não faltava um. Acredito que esse foi o meu maior feito e ele me apresentou para muitas pessoas para além do Fórum. 

O processo de criação da UP não foi necessariamente uma militância partidária. Acho que foi uma militância para construir um instrumento político institucional que respondesse às nossas demandas, que os outros partidos não atendiam por não conseguirem dar vazão institucional ao que falávamos na rua. Foi uma maneira de institucionalizar as nossas lutas. Então, esse é o nosso maior feito, tentar criar um partido, se mover, se mobilizar para poder, de fato, criar uma estrutura que, no campo ideal (porque na realidade é um pouco mais difícil), pudesse nos representar melhor nos espaços institucionais. Essa era a nossa vontade. 

Não nos sentíamos representados pelo PT, embora concordássemos que eles são progressistas. A política de conciliação do PT não nos representa, pois, muitas vezes negociavam direitos em troca de cargos e outras coisas, para articular uma certa coalizão que acabou derrubando o próprio PT. Então, não concordávamos com essa coalizão, com o modo de governar do Partido dos Trabalhadores (apesar de sermos de esquerda). Também percebíamos que o PSOL, naquele momento (hoje melhorou), era muito distante das lutas populares, era um partido muito ligado à universidade, a uma classe média branca, às lideranças brancas. Dessa forma, não nos víamos no PSOL.

Nesse sentido, quando nós, jovens, de uma base de juventude pobre, periférica e negra nos unimos, foi porque os partidos de esquerda que existiam não nos representavam. A proposta de institucionalizar as nossas demandas partiu da percepção de que só ficar gritando do lado de fora não resolve, precisávamos de um braço ali dentro do parlamento, um braço que desse vazão institucional à luta.

O processo de criação e o ativismo na UP marcou a minha vida. Lembro da reunião em que pensamos o nome: “Tem tal nome, tal nome e tal nome. Qual a gente quer?”. Colocávamos um nome e mandávamos para a direção nacional. Me recordo do dia em que chegou o informe dos nomes disponíveis para escolha pela federação e unidades, e então escolhemos esse, UP. Tudo começou no fim 2013 e só acabou em 2019, com o registro. Foram seis anos de construção de uma plataforma instrucional que se tornou a UP.

Hoje, por uma escolha pessoal, me afastei dos espaços de direção da UP. Estou mais na base, no apoio geral, mas não sou mais vinculado partidariamente e nem respondo partidariamente (por minha escolha). Essa decisão de ocupar esse lugar de colaborador partiu de duas críticas. A primeira é que, na minha opinião, os partidos ainda não estão preparados para, de fato, serem acolhedores com as diversidades. No topo das direções ainda existe uma certa relutância com as diversidades. A palavra final ainda continua nas mesmas pessoas, no mesmo homem branco de classe média, ele continua com o mesmo peso nas decisões. Esse é um problema de todos os partidos, não é só da UP. Os partidos são assim porque a sociedade é assim, não temos a sociedade ideal. 

Por outro lado, também percebi que eu precisava trabalhar, precisava construir a minha vida, e isso me fez não ter mais tempo. Moro sozinho em Belo Horizonte, pago minhas próprias contas e meus pais nunca puderam me ajudar. Por conta disso, eu decidi me afastar da UP, para que pudesse trabalhar e conseguir me formar na academia e, assim, conseguir trabalhos qualificados e com remuneração digna. Caso contrário a subsistência fica em cheque, fica perigoso. Essa é a segunda crítica, pois nessa crise eu não podia me dar o privilégio de ficar militando oito horas por dia.

Algumas pessoas que têm condições financeiras dispõem desse privilégio de ficar na militância exaustiva. Mas nós não temos. Eu não tenho. Dessa forma, eu precisei pôr o pé no chão e falar para o pessoal que a minha contribuição estava dada, pois eu precisava me formar, queria fazer mestrado e necessitava conseguir um emprego que viabilizasse minha continuidade na luta, porque sem trabalho eu não consigo continuar e eu não desejo continuar na luta a qualquer custo.

Fiz esse movimento em 2021: me afastei e me coloquei à disposição para ficar no apoio sem me comprometer com a direção, com aquele nível de tarefas.  Assim, ingressei na a produção cultural. Comecei a fazer cursos e perceber que existe um campo de trabalho possível ali, no campo artístico. 

Isso foi um pouco do que eu percebi e dos movimentos que fiz depois que parei para refletir sobre a minha trajetória. O Fórum contribuiu com esse processo, pois me ensinou que existe uma outra forma de militância. A militância que eu fazia era muito tradicional, com disciplina, hierarquia, um sistema de organização muito ortodoxo. Era uma militância que pressionava muito o jovem. Eu acho muito errado a pressão que esses partidos fazem nos jovens de 17, 18 anos. Para quê? É errado! Não se deve fazer isso com o jovem, não é assim que funciona.

Assim, quando eu fui para o Fórum, vi que existia uma outra forma de ativismo que não estava baseada na autoridade, na cobrança, na hierarquia, mas sim no diálogo. No Fórum, se eu digo que não consigo participar, a resposta é “tudo bem, pensamos em outras formas”. Vi também que tem um limite: estou em uma militância, não preciso estar em um exército; estar em um partido também não é estar num exército. O Fórum me despertou essa consciência, de subverter o que eu sempre fiz, subverter um pouco aquela lógica. Por tudo isso, continuo no Fórum e aprendo a construir com o Fórum. 

É muito legal o que o Fórum possibilita, e uma das coisas que ele me viabilizou foi um trabalho. Eu não vou mentir aqui, é uma coisa que me ajuda demais. E eu também não sinto culpa nenhuma por receber por esse trabalho. Se eu pudesse, receberia mais, inclusive, sem problema.

O Fórum também me ensinou a fazer produção cultural. Isso é muito legal. Eu aprendi a desempenhar uma tarefa, um ofício que pode ser remunerado. Eu fiz um curso, mas no Fórum nos envolvemos com o projeto, da escrita à execução. Nesse sentido, o Fórum me capacitou profissionalmente, além de ser uma militância.

Eu entrei na rede no Fórum em 2019 e, em 2020, ingressei na secretaria executiva. Dentre as minhas experiências desde então, uma ação do Fórum de valor inestimável (e eu só percebi esse valor depois que eu estive na ponta) foi a campanha Comunidade Viva sem Fome (CVSF) – projeto de distribuição de cestas básicas realizado pela AIC, iniciado durante a pandemia. Eu fui responsável no Fórum pela campanha: organizar as listas, as entregas, conversar com as lideranças dos territórios. E ela foi um marco muito importante para nós, pois contribuiu para fortalecermos as pessoas num momento extremamente difícil: mães solo, pais solo, famílias que têm mães acometidas por sofrimento mental, famílias lideradas por jovens. E são muitas as famílias lideradas por jovens – pessoas com 22, 21 anos que já têm filho para criar e estão tocando suas casas, morando num barracão, num beco, numa viela. Com a entrega de cesta, percorremos todos esses lugares, e isso foi muito significativo. Foi o único trabalho do Fórum que se manteve de pé de maneira ininterrupta ao longo da pandemia, porque todos os projetos precisaram ser readequados, foi necessário parar quase tudo. Eu me identifico também com o CVSF porque minha moradia é precária: vivo em um barracão no Concórdia, não moro em um apartamento, nada disso. E já enfrentei muitas situações difíceis, também.

Há outro marco na minha trajetória no Fórum: em 2020, recebi uma menção como trabalho de destaque na Semana de Extensão da UFMG, no eixo Direitos Humanos e Justiça, a partir do trabalho de extensão do OJ com o Fórum. Essa é uma premiação em que nos inscrevemos, não é muito importante, mas também não é boba. Foi importante esse reconhecimento na universidade, pois possibilitou a aquisição de mais bolsas, inclusive. O OJ conseguiu mais bolsas a partir de conquistas como essa que tivemos na Semana de Extensão. 

Quanto às causas do Fórum, percebo dois eixos interrelacionados. O primeiro é a questão do genocídio da juventude negra, porque é assustador no Brasil acontecer um George Floyd a cada 23 minutos (e Belo Horizonte não é diferente). Assim, como síntese política, o que nos move é a vontade de enfrentar essa situação de genocídio da juventude negra, que já não é mais velada, é escancarada. Vê-se no noticiário todo dia. Acho que essa bandeira consegue unir todo mundo, todos os ativistas na sua diversidade, mais do que outras bandeiras. O outro aspecto é que não ficamos só na luta, temos uma ação propositiva. O Fórum vai além de questionar e tem propostas concretas para as políticas públicas – que estão, inclusive, reunidas na plataforma Juventudes Contra Violência. Há uma atenção especial às ações (que ele próprio realiza) e a proposições de políticas no campo da cultura, pois elas podem ter efeitos imporatntes. Por exemplo, o combate do trabalho infantil que está associado ao tráfico de drogas. No fundamento desse problema todo está a questão do trabalho, do acesso à renda. A falta de acesso a essas coisas gera o tráfico, que gera a guerra às drogas, que gera o genocídio, que gera a milícia.

Então, uma das nossas soluções, uma aposta que já fazemos, é partir da capacitação de lideranças, da formação de lideranças juvenis, de coletivos juvenis para atuar no campo da cultura e, talvez, no campo da política. Agimos através da formação para que, com essa prática, seja possível mitigar um pouco as raízes desse problema que acaba gerando, em última escala, o genocídio. Tentamos ir lá na raiz. Falta centro cultural, espaço cultural de formação e espaço profissionalizante na comunidade: são essas as questões que apontamos e em relação ás quais realizamos ações e propomos políticas.

Em suma, são esses dois campos: a bandeira que nos une, essa escancarada negação do direito básico que é a vida aos jovens negros e, do outro lado, essa ação propositiva de também nos organizar e mostrar um caminho. Lógico que temos outras bandeiras consensuais, a plataforma política apresenta algumas sínteses delas, mas acho que o genocídio da juventude negra é a mais consensual do Fórum.

A sensibilização do Fórum junto aos movimentos, junto aos coletivos juvenis principalmente, é a nossa base, nos dá condição para mobilizar efetivamente as juventudes. Tudo parte de uma relação pautada no papo reto. Quando vamos aos coletivos para desenvolver uma formação sobre algum tema, já de início apresentamos nossas intenções, falamos de nossas expectativas e também do que podemos oferecer. Muitas vezes, o retorno é também muito papo reto: “Podemos ou não podemos”, não tem um meio termo. É assim. E funciona exatamente porque a base é um diálogo sincero. Para a comunicação, usamos WhatsApp, ligação, conversa, mensagem, todos os meios disponíveis para contatar. O contato inicial se estabelece a partir de conexões da própria rede e, aí, construímos uma relação.

Há uma concretude, sempre. Convidamos para ação cultural, para formação política e também para desenvolver ação solidária. Por exemplo: até recentemente, o Fórum não tinha atuação no Nova Cachoeirinha, uma favela pequenininha perto do anel e da Antônio Carlos. Em 2021, entramos em contato com o coletivo juvenil que surgiu lá há pouco tempo e perguntamos se eles topavam receber 10 cestas todo mês para contemplar a comunidade. Eles aceitaram e, desde então, temos contato com esse coletivo, em uma região em que, antes, não atuávamos. É dessa forma que nos relacionamos com os coletivos: envolvendo-os na ação concreta. É essa a construção. 

Já em relação ao diálogo mais amplo com a sociedade, tentamos participar do comitê gestor do CRJ e dos conselhos de direitos: o Conselho Municipal de Juventude, Conselho Estadual de Juventude, Conselho da Criança e Adolescente, porque percebemos que nesses espaços estão os agentes da política pública, as pessoas que fazem ela acontecer, onde está a sociedade civil, o poder público. Nesses conselhos de direitos, conseguimos conversar com grande quantidade de agentes da política pública. Além dos conselhos, dialogamos com a cidade quando realizamos um evento público, uma roda de conversa, um evento cultural.

Acredito que em alguns dos espaços, somos ouvidos, conseguimos construir, e em outros nós incomodamos. Por exemplo, a gestão do CRJ se incomoda, não gosta do Fórum nas reuniões. Mas tem que aturar, porque a reunião é pública. Percebemos isso porque, sempre que o Fórum está, fica um jogo de sala esquisito na reunião, o pessoal do comitê gestor do CRJ fica um pouco preocupado. Os movimentos eleitos que representam a sociedade civil também se incomodam com a nossa presença, porque não temos uma cadeira lá e o direito ao voto, mas levamos, muitas vezes, reivindicações que os movimentos institucionais não levam. Chegamos com falas sem comprometimento nenhum: não temos cargo com ninguém, não temos nada com ninguém e ninguém nos banca, nós mesmos corremos atrás de recursos. Então podemos criticar a política pública quando algo está errado. 

Um exemplo disso é o que está acontecendo com o próprio CRJ: ele está destruído, roubaram tudo, fiação, tudo. Acabaram com o CRJ e o que aconteceu? Nada. Ninguém fala nada, é como se nada estivesse acontecendo. Chegamos lá e falamos disso – o que incomoda porque, quando apontamos o problema, parece que estamos atacando uma pessoa da gestão, mas não é a gestão. Atacamos a estrutura que sucateia, que desidrata financeiramente.

Nos conselhos, temos mais facilidade, até porque eles são bem lentos, tudo demora para acontecer. Então, nesses espaços, nós participamos, trocamos ideia, conversamos, colocamos a nossa contribuição, e fortalecemos. Ao mesmo tempo, acho que Belo Horizonte precisa de um agito extra institucional (que talvez não demore para aparecer). Chamo de agito extra institucional a algo coisa que movimente para fora desses espaços, porque a juventude está gritando muitas coisas, muitas opiniões, muitas questões, e esses espaços institucionais não dão conta do que a juventude tem proposto fora deles. Já tivemos algumas ações mais nessa linha, como o Ocupa CRJ, que gerou todo um pânico depois (discussões muito acirradas, poder público com muito temor, ataques bolsonaristas). Mas, acho que mais cedo ou mais tarde há de acontecer em Belo Horizonte novamente um movimento com uma contestação mais pesada, que busque romper um pouco com o espaço institucional. Não para destruí-lo, mas é preciso criar rupturas, para dinamizá-lo e melhorá-lo.

Acredito que o Okupa cumpre essa função, de dar vazão a uma movimentação fora da institucionalidade. Eu acho que é isso mesmo. O Okupa viabiliza esse espaço para o jovem externar o que pensa, mostrar para a sociedade, pressionar a sociedade, dinamizar a sociedade. Evidentemente, guardadas as proporções, se no Okupa levamos 300 jovens e dois saem de lá com o desejo de fazer uma mudança, já ganhamos. Se sai um jovem do evento pensando diferente e querendo agir de outra forma na sua comunidade, já ficamos muito felizes. O Okupa é isso: inspirar os que saem de lá com a vontade de fazer coisas diferentes. Se isso acontece, acredito que estamos cumprindo o nosso propósito.

Eu conheci o Okupa por um caminho diferente do da maioria das pessoas. Tive uma aula com o Márcio Simeone no Curso de Comunicação em que a Fê Godinho e a Nívea Sabino, à época integrantes da Secretaria Executiva, mencionaram o Okupa. Naquele dia mesmo, depois da aula, eu colei na Nívea e na Fê para perguntar o que era aquele negócio, como funcionava. Foi ali que ouvi falar do Okupa: numa aula de comunicação, num dia à noite, em que eu estava cansado para caramba, mas presenciei essa aula, que foi muito legal. Houve esse contato com o Okupa antes de eu entrar no Fórum. Esse momento em que ele passou na minha vida e eu pensei: “tem uma coisa legal aí”. Acho que foi a partir disso que eu comecei a pensar sobre o que era esse tal de Fórum, em me perguntar o que aquela galera fazia. 

Eu participei do Okupa de 2019, que foi realizado em uma quadra no Barreiro, na divisão com Sarzedo. Na edição do Izidora, eu participei dos processos formativos, das reuniões de planejamento dos encontros e das formações do dia que antecedeu o evento. Percebo que o Okupa é um espaço bem legal porque consegue unir a galera, já que é uma mostra de culturas juvenis, de algo que é muito forte para os grupos. Dessa forma, conseguimos criar um espaço de visibilidade e de voz para as juventudes, e de expressão para grupos de jovens artistas, poetas, artistas visuais jovens. Conseguimos, trazer as novas expressões culturais da juventude à tona. Esse é o principal objetivo do Okupa, hoje: continuar mantendo viva a cultura urbana que a cultura juvenil integra, a cultura urbana de Belo Horizonte e de municípios do entorno – assim, por consequência, ele é patrimônio da cidade. 

É possível ver que o arco da construção da presença do Okupa é um processo bem legal. A curadoria, a escolha do tema, a montagem da programação, tudo é feito coletivamente. Esse processo estimula a arte na cidade, a criação artística. Acredito que isso que tem um valor muito alto. Não é um valor financeiro, mas é um valor social altíssimo. A cultura é um mercado que move muita grana, tem um valor também, mas vai muito além do valor de trabalho. Permite pensarmos na cidade, na quebrada, no bairro, no ônibus que queremos e merecemos. Quais sonhos queremos ter. Com a arte e a cultura que os jovens fazem, podemos imaginar mundos melhores. O Okupa permite que essa imaginação seja transformada em expressão, que essa arte tenha espaço, voz e vazão.

Apesar disso, como sempre, chega a polícia no Okupa para falar que não pode, que tem alguma coisa, perguntam “cadê o alvará?”. Pedem papelada de autorização, mesmo sendo um evento autorizado, com financiamento da própria prefeitura. Esbarramos sempre no poder público que, ao mesmo tempo em que financia, chega para perguntar por que estamos ali. Isso acontece porque incomoda. Ao mesmo tempo, esse é o papel do Okupa: ele existe justamente para retirar esse estigma de vagabundo do jovem da periferia, daquele que não pode fazer nada. Mesmo que ainda estejamos longe de superá-lo, colocamos esse estigma em cheque de forma bem concreta.

Quando propomos um evento na periferia cultural, feito por jovens que são a cara do que eles não gostam, do que o preconceito discrimina, criam-se essas tensões e, no processo de fazer a tensão ser explicitada e lidar com ela dando respostas institucionais e artísticas, abrimos a possibilidade para um pensamento diferente. É impossível fazer um bom evento cultural na periferia a partir da união de jovens desses territórios? Não tem nada disso. É possível sim. Mude seu olhar, desarme seu olhar, pense um pouco diferente. É o que o Okupa propõe. Além da construção ser positiva, há um propósito teórico e político muito bem definidos. Naturalmente, não falamos para todos os lados que o Okupa é uma manifestação política, ele é um evento cultural como qualquer outro, uma mostra como qualquer outra – mas, no fundo, ele é um evento político. Ele é fundamentalmente político. O que move a existência dele é a política. É o cansaço dessa política que está aí, da forma como as coisas estão caminhando. Então, apresentamos o Okupa como mostra cultural juvenil, mas, no fundo, ele é um processo formativo de lideranças, cria um espaço e cria novos agentes. Acredito que isso é o que o Okupa representa e representará para sempre.

Tivemos agora o décimo Okupa e foi muita felicidade vê-lo acontecer. A prefeitura financiar esse tipo de ação é uma vitória, porque não é tão simples aprovar um projeto na lei municipal de incentivo. É muito concorrido. A banca é muito criteriosa no que ela aprova ali. Então, quando conquistamos a aprovação de cada Okupa, é um negócio de arrepiar. Debater os critérios de um edital concorridíssimo é também muito legal. Se falássemos na inscrição que o Okupa é um evento revolucionário para transformar o jovem, o projeto não seria aprovado nunca mais, não iam nem querer saber. Mas trabalhamos a narrativa para mostrar o que o Okupa é. Não mentimos, porém sabemos que é muito mais do que cabe no espaço institucional.

Eu vejo o Fórum como um espaço formativo porque a experiência traz sabedoria e saberes. Partimos da experiência e nela os jovens desempenham o papel de mobilizar e de educar, lidando com termos com os quais muitas vezes não estão familiarizados, como comunicar, sistematizar, escrever, pôr no papel, e contando histórias, através de vídeo, de texto. Então, a experiência da prática no Fórum convoca um conjunto de saberes que, quando é posto na mesa, revela um caráter formativo. Ao ter acesso a elas, o jovem sai do Fórum com outro repertório, outras possibilidades de atuação.

Acredito que essa é principal característica formativa do FJ: o vínculo com a experiência prática, porque ela dá mais liga. Por exemplo: cheguei no Fórum sem fazer a mínima ideia do que era um edital, prestação de contas, elaboração de projeto. Só ouvia falar. Não fazia parte das minhas referências. Eu não entendia quando me falavam “vai abrir o edital disso e daquilo” ou “vou mandar projeto”. Me perguntava como funcionava e, com a experiência, entendi. Hoje, eu consigo dominar um pouco mais essa parte. Certamente, quando você tem a experiência, você também se motiva a procurar formação para aprofundar. Há ainda ações específicas de formação – quando o Fórum é convidado por uma escola para falar sobre racismo e combate ao racismo, por exemplo. É uma formação mais direta.

Os processos imersivos também são marcos formativos do Fórum. Eu não participei deles, mas ouvi falar muito e sei que são importantes. Vários jovens se reúnem em um final de semana, em um espaço com eventos culturais, rodas de conversa, momentos de lazer e descanso. Muita gente lembra desses encontros, muitos falam dele: “Ah! Teve aquele dia do Fórum, o rolê do Fórum”. É uma enxurrada de informação na cabeça da moçada, do pessoal que participa. 

Em suma, quando você pergunta sobre como é a formação no Fórum, penso que ela se dá no cotidiano e nesses momentos pontuais em que trazemos temáticas específicas. Em setembro de 2021, houve, por exemplo, a formação de hip hop e comunicação com o Bim lá na Eliana Silva, com jovens do Barreiro. Foi bem legal. Inclusive era uma ação de contrapartida ao recurso recebido pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura.

Enfim, não temos nenhuma pretensão de ser uma escola de formação de jovens, não é nosso objetivo. Mas nós formamos jovens. Prova disso é a própria Áurea, essa figura que fez história no parlamento. Independentemente de partido, ela representa parte do processo formativo que o Fórum permite. A Áurea é resultado de um investimento coletivo também. Essa figura Áurea deputada, Áurea vereadora, é resultado desse trabalho formativo, tem um pouco do que fazemos.

Em relação à questão do afeto, como eu já disse, venho de uma formação política, de uma tradição muito marxista, muito ortodoxa. O afeto não fazia parte da literatura e do vocabulário dessa prática. Não existia a palavra afeto nessa militância, não tinha essa conversa. Havia, muitas vezes, crítica e autocrítica, centralismo, um tanto de palavra, mas a palavra afeto não aparecia muito. Na minha prática, frequentemente, essa palavra “afeto” era considerada uma coisa pós-moderna e ruim. Mas eu também nunca concordei com essa visão, estava lá dentro, mas eu não pactuava, ficava meio incomodado. De tal maneira que eu, chegando em BH, comecei a estudar anarquismo, andar com gente da antropologia, um povo com umas teorias meio doidas. Nunca me prendi em uma matriz teórica específica. Eu não queria ficar assim. Já havia mudado de cidade, não precisava ficar preso a ninguém. Então, eu ficava rodando. 

Comecei a entender a questão do afeto nos movimentos em 2018, quando isso apareceu para mim quando passei a integrar o movimento negro da UFMG. Eu acho que o movimento negro da UFMG foi muito educativo para mim nessa questão da importância do afeto, porque quando você a entender as relações raciais do Brasil e experenciar o tratamento racial, vê que a dimensão do afeto está presente. Não só do afeto, mas do desafeto, o desafeto às pessoas negras, às pessoas pobres, aos excluídos. Todos odiando esse povo, que é tratado feito lixo, feito escória. A presença do desafeto está posta e por meio do afeto conseguimos mudar. Então, o movimento negro me educou para essa questão de perceber o afeto. No começo, eu fui um pouco relutante com isso, sem entender muito bem o que era, mas estava disposto. 

No Fórum, eu acho a vivência das trocas afetivas foi um pouco mais difícil na minha experiência, porque ocorreram dois problemas: o primeiro foi a pandemia, que impôs o distanciamento. Como o afeto está muito marcado pela presença, pelo contato, pelo encontro, a dificuldade de estar junto fisicamente distanciou as pessoas. Depois de passada toda a loucura, de ter sobrevivido à pandemia, vivenciei um segundo problema: na secretaria, a cada dia que passava, uma pessoa pedia para sair – todo mundo estava abalado demais com a pandemia, a secretaria executiva parecia um peso. 

Não sabíamos mais o que fazer e chegou um momento que estávamos somente eu e o Zerê naquele espaço. Depois, chegou a Alga, o que nos ajudou a passar por aquela situação. Mas 2020 e 2021 foram anos muito difíceis para o Fórum. Depois da pandemia, retomar as reuniões e processos tem sido muito difícil, também. Então, não conseguimos nos encontrar, e a troca afetiva ficou muito prejudicada. Vejo que estamos começando a nos reconectar e a nos fortalecer, mas foi um longo processo até chegarmos nos primeiros passos de uma retomada efetiva das conexões de afeto.

Contudo, de toda forma, percebo que o Fórum traz essa questão do afeto na prática quando não adere às rotinas autoritárias no campo da micropolítica e no campo das relações. Não desenvolvemos práticas autoritárias nas cobranças. Evidentemente, existe responsabilidade, prazo e entrega, como qualquer lugar. Mas evitamos aquela ação autoritária de detonar as pessoas quando elas falham. Tentamos entender o lado da outra pessoa. Como eu vim de outra matriz de movimento, eu consigo ver o contraste. Por exemplo, no outro movimento, quando uma pessoa faltava em uma reunião, era um grande problema. Faltar uma reunião era quase um crime. Só era aceitável se alguém como a sua mãe estivesse morrendo. Se não era esse o caso e você não estivesse muito doente, você não tinha motivo para faltar a reunião. O Fórum não é assim, o Fórum consegue entender. Acho muito positivo não ser assim, porque frequentemente a vida é complicada também. Às vezes, você passou por um dia muito exaustivo, você não está aguentando. É o que falam hoje em dia: Síndrome de Burnout. No Fórum, você explica os seus motivos e as pessoas fazem um esforço real de compreensão. Cumprindo com as entregas e responsabilidades, a pessoa não precisa estar em toda e qualquer reunião ou encontro.

Sendo assim, penso que o afeto no Fórum está nessa dimensão do cuidado, da atenção especial às individualidades. É um trabalho coletivo em que não se nega, não se perde de vista as individualidades e as diversas questões que atravessam a vida de cada pessoa. Existem cobranças, no sentido de trabalho, mas ninguém é punido, constrangido, não há coerção, coisas essas que eu vi acontecer nos outros movimentos de que participei. Na minha opinião, é por essa falta de compreensão que muitas pessoas, em algum momento, saem desses movimentos. É igual parafuso: quando você aperta muito, ele explode. As pessoas não estão mais dispostas a ficar ali o tempo todo sob pressão, não aguentam mais. Elas percebem que há algo errado: alguém que não é parente e não te paga pelo trabalho cobrando em um nível acima do aceitável. 

Não posso dizer que esse afeto no Fórum é uma maravilha, só amor. Não é assim que funciona o mundo. O que acontece é a capacidade de se afetar com as questões do outro, seja quais forem. Mas, inclusive, há treta. Já existiram situações de conflito e dificuldade. Mas, mesmo nesse contexto, trabalhamos para que o conflito não se torne um confronto. É um conflito, um desgaste, mas não pode virar briga. Não dá para criar um racha, aquela situação horrorosa. Não é por aí. Nós temos discordâncias, porém tentamos ver o que é possível fazer para chegarmos em combinados a partir do diálogo, e temos real disposição para olhar a situação e o ponto de vista do outro de uma forma solidária. 

Outro aspecto interessante no Fórum é que as pessoas estão muito dispostas a ceder. Você chega em uma reunião com uma opinião, vai escutando as outras pessoas e se permite modelar de acordo com o foi conversado ali. Diferente de outros espaços da militância, principalmente nas votações e disputa de cargo, pois nem Cristo muda a posição dessas pessoas. Pode cair um avião que nada muda. Eu acho isso bem ruim e muito louco. Quando você vem dessas outras experiências, você percebe como elas são esquisitas. Não que sejam ruins, mas essas são lutas pela a democracia e contra o autoritarismo, contudo as práticas do dia a dia seguem uma visão muito militarista, a militância se assemelha a um exercício militar, é muito esquisito. 

É muito gratificante poder chegar a essa reflexão, porque só fui perceber isso do outro movimento que eu fazia parte depois de oito anos. Eu fiquei quazse uma década no mesmo movimento, participando, construindo, estava presente em tudo. Um dia, houve uma reunião em que eu disse que precisava estudar, para formar logo. Diante disso, uma menina me chamou de egoísta. Aí eu fiquei nervoso, acho que foi a gota d’água. Posso ser considerado muita coisa, mas egoísta, não. Pode falar que eu sou pós-moderno, liberal, anarquista, qualquer palavra, mas egoísta não dá. Naquele dia eu comecei a repensar a prática, como a militância estava colocada na minha vida e no contexto mais geral. E concluí que ela precisa se atualizar, ou vai ficar caduca com tempo e não vai sobreviver. Vai ficar sempre no gueto.

Sobre os desafios do Fórum, eu tenho batido em uma tecla que é conseguirmos nos profissionalizar mais. Precisamos aprovar mais projetos e nos institucionalizar melhor, para melhorar essa parte de captação de recurso. Outro aspecto é atualizar a linguagem para aquela que os jovens estão falando hoje em dia. Precisamos traduzir a nossa plataforma política, porque ela está em uma linguagem que as pessoas não falam atualmente. Quando digo linguagem, é porque a geração de jovens hoje veio nos anos 2000. Eu sou de 9197, são três anos de distância, mas já é uma geração muito diferente da minha. Essa geração tem consumes distintos, gosta de outras coisas e tem outras pegadas políticas. O Fórum precisa criar projetos e mecanismos que alcancem essa Juventude dos anos 2000 para cá, trazer jovens de 17, 18, 19 anos para a nossa rede, para nos mantermos renovados. São eles que, no futuro, vão ocupar o nosso espaço na secretária executiva. Eu não vou ficar para sempre na secretaria.

Acho que o Fórum tem muito a melhorar na comunicação, em se comunicar com as parcelas mais jovens da juventude – aqueles de 17, 18 anos. Talvez a solução seja um projeto que percorra as escolas. Seria muito bom transitarmos entre escolas fazendo formação nas salas de aula, tendo um contato cara a cara com essa juventude num espaço tão importante do cotidiano dela.

Poderíamos fazer oficinas que envolvessem ferramentas mais atuais que estão muito presentes na vida dos jovens de hoje. Oficinas de TikTok, por exemplo. Parece bobo, mas é algo que pode explodir a cabeça da moçada, pois toda escola tem uns 100 a 300 TikTokers. Você chega lá e os meninos estão dançando TikTok no recreio. Em muitas escolas, deve ser até proibido o TikTok. Então, um projeto que proponha o uso consciente do TikTok, pode atrair essa Juventude que curte essa rede social. Poderíamos trabalhar o uso da comunicação comunitária nas escolas pensando nas novas ferramentas digitais: o jovem utilizando o celular para gravar documentário, por exemplo. Existem muitas possibilidades, mas sinto que avançamos com lentidão e precisamos melhorar essa comunicação com as parcelas mais jovens. 

Por outro lado, acho que a comunicação ter ficado mais morna aconteceu um pouco em função da pandemia, que nos distanciou todo mundo de todo mundo. Portanto, precisamos de um espaço para trazer todos de volta, e acho que o 10º Okupa já acendeu a fagulha. O Okupa dá um agito, sempre tem gente nova.

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