Ana Paula Batista dos Santos
Eu faço questão que você coloque aí na sua pesquisa o meu nome – Ana Paula Batista dos Santos – e o do meu filho – Vinícius César Batista dos Santos. Pode pôr o nosso nome bem estampado aí. Sabe por que? Porque nós não somos só estatística. O Vinícius tem uma história e ele tem uma mãe que luta por justiça.
Não dá pra explicar nem pra escrever o que é a dor de perder um filho. Arrancaram um pedaço de mim. É uma dor cravada no peito, uma dor que sangra. Tem hora que aperta muito, chega a sufocar. Muitas vezes, eu estou calada, mas por dentro eu grito. “Vinícius, cadê você, meu filho?” Eu tenho esse grito dentro de mim.
Nós unimos as mães por causa desse grito. Porque a gente precisa soltar o grito que está agarrado dentro da gente. A gente vai pra rua, como no dia em que fomos pra frente do Tribunal de Justiça, justamente pra gritar “Justiça!”. Cada mãe grita o nome do seu filho. Eu gritei: “Vínicius César! Justiça!”
A voz que eu tenho não é só minha: é a voz do meu filho. Ele não está aqui pra gritar, mas eu estou aqui pra gritar por ele. Ele pode ter morrido para o mundo. Mas para mim, não. O meu filho nunca vai ser esquecido. A voz dele está aqui dentro de mim.
Muitas mães ficam escondidas dentro de casa, trabalham, não têm tempo, e pensam: “o caso do meu filho deve ter sido arquivado”. Mas as mães de luta estão tirando a gente da nossa casa e dos nossos esconderijos para mostrar que pros poderosos nossos casos podem ter sido arquivados, mas pra nós não. Pra nós não. Se tem luta, não foi arquivado, não!
Pra eles lá, pros poderosos, a traça tá comendo os papéis do processo, né? Então, é como se fosse acabar tudo esquecido, na poeira, com traça comendo. Mas pra nós aqui não morreu nada, nada foi esquecido. Traça nenhuma vai traçar.
Quando eu entrei pra Rede Mães de Luta, eu não estava andando: eu estava rastejando. Elas me abraçaram, me deram colo, me deram ombro pra chorar, dividiram comigo a minha dor. E agora eu não sinto a minha dor sozinha. Elas sentem junto comigo. O abraço com que me acolheram é o que me põe de pé. Se você prende a angústia demais no seu coração, ela te deixa muito mal, te mata aos poucos. A gente foge dessa morte lenta quando se junta com as outras mulheres.
As mulheres da Rede Mães de Luta me ajudaram em palavras quando nós nos unimos. Eu vi que não era só eu que estava naquela situação. Isso me fortaleceu muito. Melhorou muito a minha cabeça. E eu fui vendo várias coisas. Por exemplo: Se o filho tem qualquer problema, é porque “a mãe não soube criar”. Justo a gente, que batalha feito doida, que tem que ser pai e mãe pra eles. Todo mundo julga a mulher favelada que cria os filhos sozinha. Pedra todo mundo joga. Abraçar, ninguém abraça. Mas é isso que as mães de luta fazem: elas abraçam.
Eu aprendi com as Mães de Luta uma coisa muito importante: a não me conformar. Meu filho não tinha envolvimento com o crime nem com drogas. Ele foi, pela primeira vez na vida, passear no centro de BH à noite. Ele me disse: “Ô, mãe, eu vou e volto agora”. Foi pro Arraial de Belô e tomou uma facada gratuita. Mas você sabe como é: “filho de mãe solteira, favelado, só pode ser mais um bandido, mas um drogado. Tanto faz, é só mais um”. Mas as mães de luta falam: “Não é só mais um, não. Olha a mãe dele aqui”. Porque tem que procurar saber a história desse jovem, lembrar que era uma pessoa, que tinha uma família, que tem sentimento.
Ninguém investigou nada do assassinato do meu filho, o criminoso não foi nem identificado. Se fosse filho de uma família rica, tinham ido investigar correndo. Não pode ser assim. A gente cobra isso. A gente cobra justiça. E luta para que o que aconteceu conosco não continue acontecendo com mais jovens, com mais mães.
Mesmo que seja muito difícil essa nossa luta, eu acho que a gente balança as pessoas, sim. Porque, querendo ou não, é de justiça que a gente está falando. E tem ser humano que tem coração e tem sentimento. A gente tenta chegar no coração dessas pessoas.