Ana Paula Nunes de Oliveira
Me chamo Ana Paula Nunes de Oliveira, tenho 35 anos e moro na cidade de Mateus Leme, que fica na Região Metropolitana de BH. No dia 24 de novembro de 2016, o meu filho foi executado pela Polícia Militar de Minas Gerais. Eram sete e quinze da noite. Ele trabalhava de mecânico e tinha saído de casa com uma peça de carro na mão. A polícia confundiu a peça com uma arma e os policiais executaram meu filho com quatro tiros.
Venho travando uma luta enorme desde aquele dia. É um sofrimento que não dá pra explicar. É difícil demais você acordar todos os dias e saber que o seu filho não está ali mais, que o seu primogênito não está ali mais. Mas eu venho caminhando, levando um dia após o outro. Essa é a luta que venho travando desde então.
Além de ter um ente tão querido tirado de você, quando uma mulher é vítima de uma violência policial como eu fui, vem uma outra situação desesperadora: você tem que viver escondida, você tem medo. Eu tinha medo de sair na rua. Eu tive muito medo. Quando completaram 15 dias do assassinato do meu filho, recebi uma ligação em que me ofereceram 200 mil reais para eu não depor contra a polícia. Para eu falar que eles estavam certos, que meu filho estava armado. Me disseram ainda para não dar continuidade ao processo, pelo bem dos meus outros filhos. Então, imagine. Eu tenho uma filha que hoje está com 17 anos. Naquela época, ela estava com 10 ou 11 anos. Eu tive muito medo por ela. Eu tinha medo de sair para levar um filho na escola e levar um tiro. A gente sabe que esse tipo de coisa acontece o tempo todo. Então, você passa a viver com muito medo. Tem muita mãe que sabe da existência dos movimentos que lutam contra os assassinatos dos jovens negros, mas não têm coragem de participar por causa do medo, porque são ameaçadas, porque são coagidas.
Fazem de tudo para nos amedrontar. Quando completou um mês que meu filho foi assassinado, eu tive minha casa invadida por policiais. Eles foram entrando, com a desculpa de que teria um celular roubado dentro da minha casa. Eles ameaçaram meu irmão, um jovem negro – ele era menor de idade na época. Na hora em que eu reagi e disse que ia chamar meu advogado, eles pediram desculpas e saíram, disseram que tinha sido um engano. Com certeza, ali foi um aviso que eles me deram. Foram tantas coisas desse tipo acontecendo que nossa família se mudou. Hoje, eu não moro mais no local onde meu filho foi assassinado. Mudei de cidade e não é fácil; é tudo muito complicado.
Fui passando por muitas coisas, mas não me conformei, me mantive firme na denúncia. E, por muito tempo, enfrentei o sofrimento sozinha. Eu estava lutando totalmente sozinha até o dia 02 de outubro de 2019, quando conheci o Movimento Mães de Maio e a Rede Mães de Luta. E de lá pra cá, eu não estou mais sozinha. A minha dor é a dor delas, a dor delas é a minha. Mesmo assim, não é fácil. Não é nada fácil. Mas ajuda estar com outras mulheres que passaram e passam por coisas como as que eu vivo. Antes, sem outras mulheres que sabem o que é essa dor pra compartilhar, estava impossível aguentar.
Como eu disse, conheci a Rede Mães de Luta e as Mães de Maio no dia 02/10/2019. Foi na Assembleia Legislativa de MG. Elas estavam lá para lançar o Projeto de Lei (PL) de criação da semana dos familiares das vítimas de violência do Estado de Minas Gerais. Não cheguei lá à toa. Eu sempre ia atrás dos órgãos de direitos humanos para denunciar a execução do meu filho. Uma das pessoas que me atenderam num desses órgãos me levou àquele evento. A Débora Silva e a Kaká Silveira estavam lá, e assim eu conheci a luta das Mães de Maio. Eu vi na hora que tinha que participar das Mães de Maio e da rede também, pois tive um filho assassinado pelo Estado e jamais me conformei – e nunca irei me conformar – com essa injustiça tão grande e cruel.
E as meninas me acolheram de braços abertos, então naquele dia eu já passei a me sentir parte das Mães de Maio e das Mães de Luta. Mesmo assim, no começo, foi muito difícil para mim conseguir me abrir com aquelas mulheres. Eu estava cansada de lutar sozinha. Estava muito desiludida, desgastada demais, depois de tanto tempo enfrentando as coisas solitária. E é uma luta muito desigual essa de bater de frente com o Estado ao exigir justiça. Eu estava cansada de sofrer e me desiludir. Mas o encontro com o Mães de Maio e com a rede foi o que eu precisava para continuar caminhando, para continuar lutando pelo direito que o meu filho tinha de viver e foi roubado dele, para que isso seja reconhecido. E também pelo direito de viver que tem que valer para outros filhos, meus e de tantas outras mulheres.
Nós lutamos para que pare de acontecer o que aconteceu com meu filho e acontece o tempo todo com muitos adolescentes e jovens negros. Porque, infelizmente, se você é negro e mora na favela, você já é taxado como bandido. A partir do momento em que você nasceu ali, e você é negro, já consideram que nasceu um bandido. Favelado e preto não têm vez. Por conta do racismo e do preconceito contra a favela, os jovens negros não têm acesso a quase nada e são assassinados como se não fossem gente. Não podemos aceitar isso.
O Mães de Maio vem me dando apoio, vem me dando força, vem me sustentando mentalmente quando eu preciso. O nosso movimento funciona assim: uma mulher vai apoiando a outra. Quando uma cai, a outra dá a mão e ajuda a levantar. Termos umas às outras nos fortalece demais.
O que eu sei da história das Mães de Maio é que o movimento nasceu, lá em São Paulo, quando mães que perderam filhos numa chacina viram que, pra lutar contra aquilo, tinham que se juntar. A Débora Silva, em São Paulo, que teve o filho dela assassinado, foi encontrando outras mulheres que perderam o filho na mesma chacina. Elas foram se juntando e assim nasceu um coletivo de mães que foram à luta. É a mesma coisa com a rede daqui: são mães, juntas, que lutam. E estamos aqui umas pelas outras, para lutar umas pelas outras – e é por isso que não estamos sozinhas.
A Kaká, que criou as Mães de Maio Minas, me convidou para fazer parte quando nos conhecemos, naquele primeiro dia, em 2019. Desde então, estou junto com ela. Nós divulgamos o movimento e falamos dele pra outras mulheres em situação parecida com a nossa. Mulheres que perderam os filhos – como a Ana Paula Batista, que é de BH. Mulheres com filhos desaparecidos – como a Cláudia e a Antônia, outras companheiras nossas. Nós contamos pras outras mulheres as nossas histórias, falamos que está tudo ligado à violência do Estado, e convidamos pra luta. Além disso, tentamos dar suporte, ouvir, aconselhar. Acolher essas outras mulheres é algo muito importante para nós. Não é sempre que eu consigo acolher e apoiar, pois não estou 100% forte. Faz seis anos que meu filho morreu, mas eu ainda me sinto muito abalada.
O dia 24 de novembro, que é o dia do aniversário da morte dele, é um dia em que eu não converso com ninguém. Eu vou ao cemitério todo ano. Muita gente não entende isso. Meu marido chega a falar que eu estou me sacrificando, que eu estou me machucando cada vez mais por fazer isso. Mas é algo que eu sinto que preciso fazer. Eu preciso desse dia para mim, pra chorar. Pra me recolher num canto e colocar minha cabeça no lugar. É o momento em que eu me permito chorar. Porque aqui em casa eu não choro. Meu marido e meus filhos percebem que eu estou triste, percebem que eu estou abalada, mas eles não me veem chorando, porque eu não quero deixá-los mais preocupados ou tristes. Não adianta eu querer buscar conforto nos meus filhos, porque se meus filhos me veem chorar, eles vão chorar também.
E, nesse dia 24, quando dá exatamente sete e quinze da noite, que é o horário em que ele foi assassinado, é a hora em que eu fico aérea, desconectada da vida, mesmo. Não choro, não sorrio, não faço nada. É só a dor que está aqui no peito. Ela vem todo dia; todo dia ela me incomoda. Mas, no dia 24/11, meu coração não dá conta. Aí, vou ao cemitério pra chorar. Fico lá por umas três horas, conversando com o meu filho. Eu converso com ele como se ele estivesse ali.
O dia 24 de novembro é o dia que eu não queria que existisse no calendário, é o dia em que eu não queria acordar. É muito complicado, porque as pessoas acham que tinha que passar, mas não passa. Eu sempre penso: será que no ano que vem vai doer menos? E torço pra pelo menos não doer mais. Mas o tempo vai passando e até a família vai se desgastando. O meu marido me ajudou muito nos três primeiros anos, mas depois passou a insistir que tenho que superar. Então, muitas vezes, eu não tenho o ombro de ninguém para abraçar e chorar. E acabo encontrando o ombro da Kaká e de outras companheiras. Tenho com elas um momento do desabafo, de chorar.
Então, há épocas muito ruins, em que não tenho a menor condição de dar apoio moral a outra mãe. Mas o que eu posso fazer, eu faço. Faço tudo o que está ao meu alcance. Faço questão de ajudar ao máximo porque tem muita mulher precisando ser acolhida. Somos milhares de mulheres vivendo a mesma situação, no país todo. Precisamos achar forças entre nós, nos juntar, senão nada vai mudar. Precisamos também de outras aliadas. Aqui na Rede Mães de Luta, estão conosco outras mulheres, como a Juthay, do Morro das Pedras, que não perdeu filho, mas é da luta das mulheres de periferia; ou a Nina Caetano, que é artista e decidiu juntar a arte dela com a nossa luta.
Temos também outros grupos que fazem ações que estão ligadas às nossas. Ser parceiro deles também é importante. Como o Fórum das Juventudes, que já esteve em algumas das nossas atividades, fortalecendo. O Fórum das Juventudes estar ao nosso lado é uma coisa positiva, porque o Fórum trabalha praticamente o mesmo projeto que a gente. Eles querem as mesmas coisas que a gente: que parem de matar os nossos jovens negros. Os nossos filhos, de pele negra… Porque sabemos que, entre 100 assassinatos, 99 são de negros. O Fórum das Juventudes também luta contra isso.
E é bom trocar com o Fórum porque tem diálogo. É diferente de muitas situações, em que as pessoas se desculpam e nos olham com cara de dó, de pena… E nós não queremos que tenham pena da gente. Só queremos que nos escutem de verdade. Muitas vezes, isso não acontece de jeito nenhum, o que falamos entra em um ouvido e sai no outro. Passamos por isso o tempo todo – em alguns momentos, até mesmo com o Ministério Público, que deveria nos defender. Mas, em geral, vale a regra de que pobre, negro e favelado não tem vez, e é como se não tivesse voz, também.
Só que aconteceu o seguinte: eu cansei de ficar calada. É doído? É. Demais. Mas, enquanto eu estou falando, eu não estou sozinha com aquela angústia dentro de mim. Tem alguém me ouvindo. Se, no meio de 20 pessoas, uma pessoa me ouvir, me ouvir de verdade, já é reconfortante. Já reconforta. Nos nossos encontros, eu sei que eu não estou sozinha, que eu não preciso sofrer sozinha, que eu posso compartilhar a minha dor. Posso compartilhar minha dor com você, eu posso compartilhar minha dor com a Kaká, eu posso compartilhar minha dor com a Nina. E eu sei que eu vou ser escutada, que eu vou ser ouvida. Se eu sei disso, eu vejo que faço parte de uma rede de mulheres e que posso, então, lutar.
Estarmos juntas é a nossa força. Criamos uma ligação forte entre nós. O nosso relacionamento, tanto entre as Mães de Maio, quanto entre as Mães de Luta, é de companheirismo. É uma apoiando a outra, um escutando a outra. Na hora em que precisa de falar, a gente fala; mas a gente escuta também.
A gente escuta porque, muitas vezes, o desabafo da pessoa alivia ela bastante. E eu acho que a única pessoa que vai entender a minha dor é a outra mulher que também perdeu um filho assassinado. A dor dessa mãe é mais doída. Um pedaço enorme dela é levado ali, no momento em que o caixão é fechado. Não estou desmerecendo ninguém, mas você só sabe da dor quando você passa por algo tão horrível, também. É claro que adianta a gente conversar com as mães que não perderam filhos assassinados, para elas saberem um pouquinho. Elas vão conseguir sentir um pouquinho, porque mãe é mãe. Só de imaginar, já sofre. Elas vão conseguir sentir um pouquinho do que é a perda de um filho, e aí elas vão querer proteger mais, elas vão prestar mais atenção, vão ter mais cuidado, vão querer apoiar. Esse é um o diálogo ajuda muito, também.
Mas a questão da aflição, de dividir o desespero, envolve muito aquela outra mãe que também teve o filho assassinado, retirado dela brutalmente. É como acontece no meu diálogo com a Kaká: eu consigo entender a dor dela e ela consegue entender a minha dor.
Além disso, quando uma de nós está com medo ou em dúvida, nossa fala é sempre :“vai em frente com a sua denúncia, estamos com você! Vamos lutar junto com você, vamos seguir junto com você”.
Mas sempre escutamos e ajudamos cada mulher a analisar a situação dela com calma e pensar numa estratégia para se proteger, porque não queremos pôr ninguém em perigo, em risco. Sabemos muito bem que há policiais covardes e corruptos, que nunca vão pegar ninguém no bolinho, eles vão pegar você sozinha. Quando você estiver sozinha, quando não tiver testemunha, eles vão te pegar. Então, nos momentos mais críticos, nós cuidamos pra que isso não aconteça. Eu mesma já cheguei ao ponto de colocar uma mãe dentro da minha casa com duas crianças. Elas moraram comigo por um mês e 15 dias. Depois, foram embora para São Paulo, porque não aguentaram a pressão.
E eu penso que, além de estar nessa troca e nesse apoio de escutar e acolher, a minha parte é trabalhar para que o movimento cresça cada vez mais. É ajudar a Kaká a buscar parcerias para que a Mães de Maio Minas se torne mais forte, tenha projetos com atividades para mães e jovens. Precisamos ter ações que ajudem a mudar a realidade de mulheres como eu e a Kaká, e também dos jovens, que não podem ser tão maltratados, serem considerados bandidos e estarem na mira da morte, como vem acontecendo.
Eu sempre falo o seguinte – em meu nome, da Kaká e das Mães de Maio: enquanto nós tivermos força, enquanto nós tivermos vida, nós vamos lutar pelos nossos filhos, pelos filhos das outras mulheres, pelos filhos negros. Essa é a nossa luta, e ela não tem volta. Nós vamos lutar para tentar evitar essa situação desesperadora de o tempo todo chegar mais e mais mulheres chorando. Enquanto vivermos, nós vamos lutar por um Brasil melhor, vamos exigir os nossos direitos. Não é porque eu sou negra que eu não tenho os mesmos direitos que fulano, que é branco. O mesmo sangue que corre nas minhas veias, na veia de um negro, corre na veia de um branco. Então, nós todos temos direitos iguais. Sabendo disso, nós escolhemos lutar. Nós ganhamos uma razão de viver, que é lutar por justiça.
Nós cobramos do Estado a justiça que ele nos negou. E fazemos isso indo para a porta do Fórum e do Tribunal, para as praças, para a Assembleia Legislativa. Levamos a nossa bandeira, gritamos os nomes dos nossos filhos, damos as mãos. Queremos que as pessoas prestem atenção e que o Estado não tenha como nos ignorar.
E eu acredito que a gente chama a atenção, sim. Fazemos passeata, fazemos protesto, fazemos arte. Vamos pra rua com megafone, caixa de som, cartazes, faixas… Mas não é só na rua que você vai nos encontrar. Temos Instagram, Facebook: tudo a gente divulga e compartilha. Também fazemos encontros da própria rede daqui de BH. As Mães de Maio também fazem, todo ano, um encontro da rede nacional – cada ano em um estado.
A arte nos ajuda a chamar a atenção. Por exemplo, na ação Mil Litros de Preto, cada uma de nós, mãe que teve um filho assassinado, joga um balde com água tingida de vermelho dentro de uma piscina de mil litros. Os baldes que derramamos dentro da piscina representam o sangue dos nossos filhos que foi derramado. A piscina enche, a água derrama. Ali, estamos falando que é sangue derramado que não acaba mais, que derrama pela sociedade toda.
A gente também participa da criação e cuida com muito carinho do vestido que a Nina costura há anos com mulheres que tiveram filhos assassinados em vários lugares. Eu bordei pedaços da minha história naquele vestido. Nós nos encontramos pra bordar. E também pra conversar, pra nos vermos, pois sentimos falta desse contato. E o vestido é também um recado bem forte pra sociedade. Ele está cheio de histórias dos assassinatos de jovens negros pelo Estado. Por isso, levamos ele para todos os lugares. Eu já até vesti aquele vestido nas nossas manifestações. Costuro, cuido e visto, pra que todo mundo veja, porque a minha dor e a minha luta estão gravadas ali.
A Rede Mães de Luta tem muitos momentos que marcam a gente, sabe. O meu primeiro foi exatamente o dia da minha chegada na Rede: como eu disse, cheguei no dia em que foi protocolado o PL de reconhecimento da semana dos familiares das vítimas de violência do Estado (02/10/2019). Estava perto de fazer três anos do assassinato do meu filho. Então, foi muito difícil para mim conseguir estar lá. Mas, ao chegar, eu vi que não estava sozinha. Ali eu senti, realmente, abraços de verdade. Porque, às vezes, só um abraço faz uma diferença enorme. A gente não precisa falar nada, só um abraço já é reconfortante.
Aquele dia de outubro foi muito puxado, vivi um mix de sensações. Quando eu cheguei, estava acontecendo uma feira e uma roda de conversa das mulheres, e eu fiquei quieta no meu canto. Mas logo a Débora me chamou. Ela me pôs sentada junto com elas na mesa, para poder contar minha história, para poder falar do meu filho… Foi a primeira vez que eu falei em público sobre o meu filho, sobre como que meu filho tinha sido assassinado, como o meu filho tinha sido tirado de mim. E aí aquela multidão de gente – mães, apoiadores, parceiros – me ouviu e me acolheu. Depois, naquele mesmo dia, teve um momento muito bonito. Fizemos uma caminhada por dentro da Assembleia. Lembro que nós fomos erguendo faixas, cartazes, fotos. E fomos de mãos dadas, cantando. Aí, a Andréia protocolou o PL e eu nem me lembro o que aconteceu depois, de tão emocionada que estava. Mas foi muito reconfortante saber que eu não tava sozinha.
No encontro nacional das Mães de Maio de 2022, teve também um momento em que todas penduramos plaquinhas com os nomes dos nossos filhos numa grande árvore: uma árvore que leva os nomes deles. E árvore é símbolo da vida, e também representa um pouco algo divino… Então, ali, foi um momento mágico. Senti algo que nem sei explicar… Como se fosse a presença do meu filho ali comigo. Foi um momento muito forte – acredito que para todas nós que vivemos.
Esses momentos são importantes para cada uma de nós e são momentos de mostrar nossa luta para o mundo. Por isso, eu acho que tínhamos que fazer mais atos, mais protestos na rua.
Então é isso: antes, eu caminhava sozinha, mas agora agora eu caminho com as Mães de Maio e as Mães de Luta. Sei que nós somos uma multidão e me sinto parte de uma multidão. Antes, eu caminhava sozinha. Eu me sentia sozinha, eu sentia que não tinha ninguém por mim, eu me sentia sem esperança e sem forças. Agora é muito diferente: o meu luto virou luta. Tanto o meu quanto o de várias mães.
Quando acontece de um filho ser tirado de uma de nós, vem a fase de ter que viver presa dentro de casa, com medo, ameaçada. De ficar totalmente tomada pela depressão e pelo desespero. A luta ajuda a gente a sair desse lugar totalmente sem esperança. Hoje, eu não tenho medo. A partir do momento em que eu passei a frequentar os encontros das Mães de Maio e das Mães de Luta, as meninas foram me dando força. Elas foram me ajudando a me reerguer, a me levantar de novo e ir à luta. E eu preciso muito ir à luta, porque o meu filho tem voz, porque os nossos filhos têm voz. Nós, mães negras; nós, mães que perdemos o filho para o Estado; nós vamos parir um Brasil melhor. Esse é o nosso lema, e seguimos porque acreditamos nele e lutamos por ele.